O teatro estava absolutamente lotado para a apresentação das 20 crianças entre 4 e 5 anos que fazem dança na escola. Verdade que é um teatro pequeno, o Centro da Terra, na Rua Piracuama, em Perdizes, mas o fato é que a primeira apresentação de Marina num palco de verdade foi diante de casa cheia.
Cheinha, lotada. Chegamos 20 minutos antes da hora marcada para o início da apresentação, e só restavam lugares na última fileira, lá no alto, nas grimpas – e atrás dela haviam sido colocadas cadeiras extras. E teve gente que viu a apresentação de pé.
Nenhum problema termos ficado lá atrás. O teatro é bom, a visibilidade é perfeita mesmo na última fileira.
Marina deu um show.
Fiquei muito impressionado desde o início, e Marina foi confirmando minha impressão inicial ao longo de toda a apresentação – aliás bem longa, de uns 45, 50 minutos. Mary também sentiu a mesma coisa e, assim que nos encontramos com o pai dela ao final, ele falou de cara a impressão que teve, e era exatamente a minha. A mãe ficou com o coração cheio de orgulho.
Certo, certo: diante de uma parada militar, avô, avó, pai, mãe sempre acham que o neto/filho dele é o único que está marchando certo, que todo o resto da tropa está marchando errado. Certo, certo: o filho/neto da gente é sempre o melhor, sempre perfeito.
Só que não é isso.
Não é que Marina tenha sido a melhor, a mais perfeita, a mais elegante, a mais bonita, a mais graciosa, a mais encantadora, a que mais leva jeito. Não. Nada disso.
Marina foi uma das crianças mais aplicadas do grupo.
Foi, o tempo todo, aplicada, atenta, concentrada. Dava para perceber perfeitamente que ela seguia à risca as marcações, as posturas, os movimentos e as paradas determinadas pela professora-diretora da apresentação, a Júlia.
Não se mostrou exibida, exibicionista (havia algumas meninas assim). Jogava pelo time, em conjunto, pelo conjunto. Como perfeitamente definiu o pai, estava à vontade no palco e nem aí para o público.
Já em casa, comentaria que no começo, enquanto todos estavam deitados no chão, ela ficou deitadinha, quietinha – mas querendo que começasse logo. (Que lindinha: já tinha começado – mas, na cabeça dela, o começo seria a partir do momento seguinte, em que todos vão se levantando.) Aí alguém perguntou se ela naquele momento ficou nervosa; respondeu de pronto e firme: – “Não”.
Teve um momento em que alguma coisa não deu certo; não me lembro se foi na hora em que ela tinha que usar o lenço como se fosse um cavalinho ou na hora do saiote que iria vestir sobre a calça comprida, e ele se enrolou. Mas o fato é que, nessa hora, deu pra ver que ele ficou meio brava, fechou a cara. Mary comentou na horinha: – “É que nem a mãe: tudo tem que estar perfeito, não pode ter uma falha”.
Depois teve um momento em que deu para perceber claramente que ela estava curtindo muito, alegrinha que nem pinto no lixo. Foi na hora em que as crianças fazem uma roda em volta da Júlia, que está metida num gigantesco pano de faixas de todas as cores, como se fosse sua saia rodada de arco-íris, e as crianças levantam e abaixam a imensa saia, como se ela estivesse se transformando num balão. Nesse momento, Marina estava de frente para o público, e sorria deliciosamente. Curtia a brincadeira como curte uma brincadeira qualquer em casa, com a gente.
***
Ficamos encantados com o trabalho da Júlia. Mary já conhecia um pouco: teve uma vez em que as mães e avós foram convidadas para participar de uma aula na escolinha, e Mary foi, e gostou muito do que viu.
Numa palavrinha aos pais e parentes antes da apresentação, Júlia expôs a idéia básica: o que se faz ali com as crianças nas aulas de dança (é atividade extracurricular, só faz quem se interessa) é basicamente uma brincadeira com o corpo. Uma ajuda para que os meninos se sintam mais à vontade com seu corpo, com os movimentos de corpo. Não se pretende ensinar nada parecido com balé – e os meninos (bem poucos, uma pena) e as meninas (a imensa maioria) não dizem que são bailarinos, sequer dançarinos, e sim dançadeiros e dançadeiras.
Acho isso muito bom. Bela, gostosa, saudável iniciação.
E muito bom gosto na escolha das músicas. Muita coisa tradicional, de folclore, de domínio público, muita coisa com sabor nordestino, o que me parece uma maravilha. De MPB ou pop mesmo, um bom momento daquela junção que Marisa Monte fez de Cartola e Monsueto, “Ensaboa” e “Lamento da lavadeira”, no disco de 1991.
Um belo trabalho.
E, para Marina, nota 10. Não pela perfeição, pela beleza, mas pelo esforço em fazer tudo direito, conforme o previsto, o combinado, o acertado. Pela atenção, pela concentração, pelo empenho.
Criaturinha fofa, doce, meu Deus do céu e também da terra.
30/11/2017
A foto do alto é de Fê Bêla. Esta logo acima é de Mary Zaidan.
Adorei o nome que a professora deu às crianças, de dançadeiras e dançadeiros. Parabéns à Marina pela apresentação e dedicação (pessoas aplicadas tendem a ser perfeccionistas; vou te contar que não é gostoso, não, até pelas críticas que aqueles que não são assim nos dão). Mas ser aplicada na vida tem suas vantagens.
Que bom que ela não é exibida nem exibicionista, para mim crianças assim são adultizadas.
Nota 10 a ela, pelo conjunto da obra!