Na semana passada, neste mesmo espaço, elogiei o governo Temer pelos feitos de sua política econômica e de seu programa reformista. Tudo que afirmei era verdade. Em um ano o país deixou de se equilibrar no chamado tripé da maldade (inflação alta, juros estratosféricos e recessão) e o avião da economia começou a embicar para cima.
Os indicadores justificavam o otimismo quanto à possibilidade de Michel Temer cumprir a missão de entregar ao seu sucessor um país reorganizado. Estava pavimentado o caminho para entrar na história como o presidente das reformas.
Hoje a realidade é outra. Nestes sete dias quem era a solução virou o problema. Abatido pelo miíssíl de grande poder de destruição lançado pela delação da JBS, o governo perdeu as condições para conduzir a transição a bom termo.
Flagrado em tenebrosas transações com Joesley Batista, Temer viu sua base parlamentar desmontar e se apartou ainda mais de uma sociedade, ávida por novos padrões na forma de se fazer política. Concretamente, o presidente está sitiado no Palácio da Alvorada, amarga a solidão de um poder que se esvai.
Quem imaginaria, há uma semana, que um jantar com o presidente seria cancelado por falta de quórum? Michel Temer começa a viver uma situação similar à de Collor às vésperas do seu impeachment, quando todos lhe viravam as costas.
O presidente resiste a renunciar, mesmo a preço de levar o país à paralisia, de jogar por terra os ganhos do seu próprio governo, de postergar as reformas previdenciária e trabalhista, de afugentar os investidores.
Por aí, teremos um presidente catatônico por mais um ano e sete meses, que só não renunciou para não ser réu confesso. É o que se deduz de sua entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, onde aparece um presidente à beira de perder o controle emocional, que viaja em universo paralelo ao se dizer um ingênuo e desinformado sobre as três operações nas quais Joesley Batista já era investigado. Quanto ao deputado afastado por receber uma mala de dinheiro vivo, Rodrigo Loures, o presidente simplesmente o considerou um “homem de boa índole”.
Não há salvação para Temer. No entanto, é necessário salvar a transição, dando prosseguimento ao que houve de melhor em seu governo, com a manutenção da equipe econômica que tem colocado o Brasil nos eixos. Passou a ser uma questão de estado preservar esses ganhos e dar continuidade à agenda das reformas.
Dito de outa forma: a governabilidade não é mais garantida por Temer. Ao contrário, hoje ele é o principal fator da instabilidade. A engenharia política a ser construída é como, nos marcos da constitucionalidade, retirar esse obstáculo e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao que caminhava bem no governo.
Quanto mais demorar a equação desse desafio, maior será a paralisia e a deterioração do ambiente econômico. E maior ainda a crise política que, se prolongada por muito tempo, esgarçará o arcabouço institucional.
Ao desistir do pedido ao STF de suspensão do inquérito, Temer fez um movimento para retardar a morte anunciada de seu governo. Eram favas contadas que seu pleito seria derrotado na Suprema Corte.
Mas a desistência foi um atestado do seu enfraquecimento e só amplificou as especulações sobre quem comandará o país até o fim de 2018. Em Brasília já não se discute se Temer continua, mas sim quem o substituirá.
Ziguezagueante, o presidente aposta suas fichas em uma blitzkrieg no Congresso para fazer avançar a agenda das reformas nos próximos 15 dias. Mas tem pouco chão para essa manobra. A essas alturas, se movimenta apenas no sentido de evitar que, na hipótese de sair do cargo, não vá diretamente para a prisão.
Para salvar a transição, Temer deveria dar lugar a um governo de “emergência nacional”, do qual não deveriam participar investigados e denunciados na Lava-Jato ou em outras operações. O resgate da autoridade e da respeitabilidade do poder central se daria com a constituição de uma equipe ministerial de notáveis, como era a intenção inicial de Temer, mas abandonada já no nascedouro de seu governo.
A solução desejada só é possível com a rígida observância da Constituição. Afastado por renúncia, impeachment ou por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, respeitar-se- ia a escala sucessória com o presidente da Câmara assumindo interinamente e convocando, no prazo máximo de um mês, eleição indireta para o novo presidente da República.
Fora disso, é casuísmo para atender interesses subalternos. E todas as vezes que se burlaram os dispositivos constitucionais por circunstâncias de momento o Brasil mergulhou na escuridão. Assim foi na crise da renúncia de Jânio Quadros. A fatura veio poucos anos depois, com o golpe de 1964 e com a noite mais longa do país: 21 anos de ditadura. Não devemos repetir essa tragédia.
Pescadores de águas turvas são como vivandeiras. Estão sempre à espreita para surfar no caos. Não seria diferente agora. Eles estão aí com a cantilena das Diretas Já.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/5/2017.