O jeito de ser no nosso País pouco mudou desde que o bispo Sardinha foi comido pelos índios caetés, nos primórdios da nossa história. Os maus costumes à mesa certamente ficaram para trás, como tem mostrado JA Dias Lopes, o notável crítico e historiador de gastronomia. Mas em outros campos – da mentalidade burocrática, às maneiras, ao jeitinho, ao descumprimento de normas – continuamos mal.
Este seu amigo chega ao banco com uma missão: pegar o extrato de uma conta em nome da (doce) mulher falecida, para o inventário. A gerente, solícita, parte para algum lugar na agência, onde está a “gerentona”. Volta em cinco minutos.
– Precisamos de um ofício do juiz autorizando.
Como, minha senhora? Pacientemente explico que a gerente deve estar tendo uma alucinação. A gerentinha parte de novo, volta em dez minutos. Pede minha carteira de habilitação, para um xerox. Traz a carteira e a informação.
– Tudo certo. Em cinco a sete dias fica pronto.
Já para estacionar o carro no banco, estava difícil. Poucas vagas. A única disponível era para deficientes (assim chamados em placa na agência). Um solícito motorista que também esperava indicou.
– Pode parar ali.
Como sou idoso, expliquei que não podia, aquela era vaga para deficientes. O homem não entendeu e não gostou. Deve ter me chamado de “fresco”.
Um sobrinho e a mulher mudaram para um bairro não muito longe deste em que estou. O prédio deles tem uma academia de ginástica, mas no condomínio em que moro a academia é mais completa. Assim, o casal resolveu frequentar a academia daqui.
– Ah, ninguém vai saber de nada – disse a sobrinha.
– Vai, sim – contrapus. – O treinador anota nome e apartamento.
Nem por isso. Como um outro sobrinho mora em um dos edifícios do condomínio, o casal registrou-se como morador no apartamento dele. Começou a malhação pelo regulamento dos condomínios.
Quando ia para o banco, parei o carro porque havia alguma indisposição em um cruzamento. O terceiro carro à esquerda demorava para atravessar. Ia muito devagar. Em certo momento, colocou-se à minha frente. Aí eu vi: o motorista ditava uma mensagem de voz pelo celular.
No almoço, com uma geração bem mais jovem, contei o episódio. Pelo olhar que me dirigiram, compreendi: não estavam entendendo o que havia de mal naquilo (apesar de o valor da multa ter aumentado, pelo risco da prática).
Depois dos incidentes no banco passei no supermercado. Não pude parar em uma boa vaga, porque quem a usou antes deixou o carrinho de compras bem no meio. Depois das minhas compras, dirigi para a saída. Ainda sob a cobertura do estacionamento, parei um segundo para pegar no bolso o tíquete de liberação de saída.
Levei uma buzinada. Espiei pelo retrovisor. Era o caeté do bispo Sardinha, jovem, mas não tanto. Saí para o pátio e segui para a cancela a ser liberada com o tíquete. Mas a cancela estava emperrada. Notei que uma mulher havia descido de um carro e tentava levantá-la com as mãos.
Vi que havia espaço atrás de mim e engatei a marcha-a- ré para escapar (há uma saída em outro ponto). Levei uma tremenda buzinada. Era o caeté. Não havia percebido nada sobre a cancela, e estava suficientemente afastado de mim. O negócio dele era buzinar.
Janeiro de 2017
Somos cidadãos da época do nariz de cera, Valdir. Meu pai costumava dizer que o Brasil era muito mais civilizado nas décadas de 50 e 60, e depois regrediu. Realmente, as notícias desta semana anunciam para o resto do mundo que o Brasil está voltando celeremente para a época do canibalismo.
Luiz Carlos, fui contemporâneo de seu pai e posso dizer que ele estava certíssimo. Naquela época, no ponto do ônibus, o máximo que poderia acontecer era um punguista (assim chamado…) levar a carteira de alguém. Hoje, vemos dois brutamontes massacrarem um velhinho em plena estação do metrô, à vista de todos.
Quanto ao seriado da barbárie (mais emoções no capítulo de amanhã)supera tudo o que jamais se poderia supor na existência do antes Paraíso Tropical. E da carnificina exala um conhecido odor, o da propina.
É mesmo para horrorizar o mundo.
Valdir, eu, você, o pai do LC somos contemporâneos.
Ser contemporâneo implica na nossa adaptação à nova civilidade. Sou idoso e agora portador de deficiência física.Procuro as vantagens civilizadamente concedidas aos portadores destas desvantagens PACIENTEMENTE!
Estava na fila de caixa que informava: preferencial para: pessoas idosas, gestantes, e especiais…
Na minha frente garboso casal de 20 anos, lindos, saudáveis e alegres. A menina ao reparar meus cabelos brancos e a prótese na perna quis me dar a preferência, a qual declinei face serem eles nitidamente ESPECIAIS.
O MUNDO transforma o PARAÍSO TROPICAL!
Miltinho, você teve sorte. Não seria nada difícil o casal notar a idade, a deficiência, e julgar inteiramente natural você ficar na fila, esperando. Gente especial é outra coisa…