As mãos de um católico

Sei lá se Joseph P. Kennedy gostava de cinema. Sei que nos filmes em que nós vemos sonho, ele viu ouro. Estou a falar do Kennedy pai dos Kennedys e o cinema, 1927, é o mudo dos estúdios de Hollywood dirigidos por judeus, que vendiam roupa em feiras do Relógio, da Rússia à Hungria, antes de desembarcarem na abençoada América.

A Kennedy, católico, já com sete pequeninos Kennedys, entrou-lhe no olho direito o reflexo dourado de Hollywood. Viu salas arrebatadas por drama e aventura, salas de joelhos no chão a venerar a luz e sombra de heróis e divas espelhados numa tela e percebeu: é o negócio do século! Não podia era ser percebido por tipos cuja experiência de gestão fora a de passar a ferro cem pares de calças num dia.

Kennedy vinha da Wall Street e fez entrada de leão. Convidou os dez maiores passadores de calças de Hollywood a virem falar a Harvard e fez, com os dez discursos, um livro com capa de ouro, que lhes ofereceu a seguir. Tinha-os na mão. Em quatro anos, Kennedy, o papá, inventou a verticalização dos estúdios, inundando-os de capital e assegurando o controlo da produção, distribuição e exibição.

Agora vejamos, aquele era o tempo de Gloria Swanson. Valia mais do que uma off-shore. Oito batedores de moto precediam o esplêndido carro que a levava, crianças nos passeios acenavam-lhe com bandeirinhas e flores, na sua mansão as casas de banho eram de mármore negro, as banheiras de ouro. Casara, em Paris, com o Marquis de la Falaise de la Coudraye.

“Não!”, foi o que ela disse ao contrato de um milhão de dólares com a Paramount. E metera-se a produtora dos seus filmes. Andava, agora, aos papéis. Foi ter com Kennedy, claro. Viram-se. Ele viu a mulher pequenina, um metro e cinquenta de estrelato, um anélito afrodisíaco de estremecer. Ela viu as belíssimas mãos louras dele, gestos a desenhar arabescos e dedos abertos a sublinharem um riso franco. Dali a nada, o tempo de meter o marquês francês num iate para um inteiro dia de pesca (e é, por isso, que as relações da França com a América são o que são), e as mãos dele já se escondiam nela, a boca na boca dela. Nas memórias, Swanson escreveu: “Era um cavalo selvagem a querer livrar-se das cordas, enérgico, a correr louco para ser livre.” E lembra-se do impetuoso clímax.

As contas? Vamos dar uma semana a Joseph P. Kennedy para ver a contabilidade e sábado que vem voltamos a falar.

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Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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