Em meio à renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, o jeitinho brasileiro levou nossas elites a adotar o sistema parlamentarista para contornar o conflito entre os militares, que não queriam a posse do vice João Goulart, e as forças perfiladas no respeito à legalidade e à Constituição.
Parecia uma obra de engenharia política. Evitava a iminência de uma guerra civil, com o risco da fratura das Forças Armadas, e observava a cadeia sucessória em sintonia com os preceitos legais.
Adotada de afogadilho como “solução” para uma questão meramente conjuntural, a instituição do parlamentarismo só empurrou a crise com a barriga.
Ela voltaria com força e, em janeiro de 1963, os brasileiros decidiram-se pelo retorno ao presidencialismo. O desfecho desse episódio todos nós sabemos: a ruptura democrática de 1964 e 21 anos de ditadura no Brasil.
Lição da História: expedientes de ocasião não são solução, são parte do problema. Só turbinam as crises.
O exemplo histórico se faz oportuno diante das articulações do mundo político para aprovar, à toque de caixa, uma “reforma política” com dois jabutis rejeitados amplamente no Congresso em outras oportunidades: o voto em lista e o financiamento de campanha.
Jabutis, não porque esses dois temas não possam constar de uma reforma consistente que aproxime o eleitorado de seus representantes e contribua para a oxigenação nacional. Voto em lista e financiamento público de campanha existem em países de modelo bem mais saudável do que o nosso.
A discussão não é filosófica. Se fosse séria, a reforma arquitetada por parlamentares e políticos contemplaria também a adoção de um sistema de eleição proporcional baseada no voto distrital puro ou misto, e a imposição de cláusula de barreira capaz de debelar o caleidoscópio partidário, hoje composto por 35 legendas.
Abriria, ainda, caminhos para o Brasil marchar para o parlamentarismo – regime, sem dúvida, mais avançado e mais resiliente às crises.
Não são essas as preocupações dos partidos e dos parlamentares. Estão focados apenas em como vão sobreviver à bomba atômica da lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A luz vermelha acendeu no julgamento do senador Valdir Raupp, com a decisão da Segunda Turma do STF de considerar como crime contribuições em Caixa 1 quando o recurso representar propina por vantagens indevidas.
Sobreviver significa se reeleger para continuar usufruindo do foro privilegiado. Daí a engenhosidade: a carta na manga é o anonimato da lista fechada, onde os investigados da Lava Jato pretendem se esconder dos eleitores para conseguirem ser reeleitos.
O casuísmo do casuísmo. Na lista fechada teriam prioridade parlamentares com mandato. E como foram aferrolhadas as torneiras da contribuição empresarial, querem apelar para o meu, o seu, o nosso dinheiro – para usar palavras de parlamentares que há dois anos eram contrários ao financiamento público.
A lista fechada pressupõe a existência de partidos ideologicamente definidos e com visão programática.
Não é o caso do Brasil, com seus 35 partidos, uma geleia ideológica. Mesmo as principais siglas com um mínimo de definição – o PT e o PSDB – estão distantes de suas origens e se nivelaram por baixo.
É hora de voltar ao exemplo de 1961, quando uma ideia nobre, o parlamentarismo, foi vilipendiada e só ampliou a crise. Nas circunstâncias de hoje, a adoção do voto em lista e do financiamento público vai agravar a crise de representação, tornando abismal o fosso entre os eleitores e seus representantes.
Recentemente o Brasil recebeu uma lição de solidariedade dos nossos irmãos colombianos, na tragédia da Chapecoense. Pois bem, nossos políticos poderiam se espelhar no presidente da Colômbia, Manoel de Lo Santos.
Envolvido em denúncias de que suas duas campanhas receberam recursos ilegais da Odebrecht, De Lo Santos teve a coragem de assumir responsabilidades e pedir desculpas aos colombianos por “esse ato vergonhoso”.
Dá para esperar o mesmo de quem está preocupado somente em salvar a própria pele?
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/3/2017.