O governo interino, provisório, de Michel Temer fez 100 dias, e continuaram a pipocar, nos últimos dias, sinais de dúvidas quanto à capacidade dele de encaminhar o país para começar a sair do fundo do abismo em que os 13 anos de governo do PT nos enfiaram.
Ao enviar ao Congresso projetos que aumentam os salários de parte do funcionalismo público, o próprio governo joga gasolina na fogueira da desconfiança que vem sendo demonstrada pelos agentes econômicos, por analistas e jornalistas.
“Ajuste fiscal prometido por Temer ainda é apenas uma expectativa”, afirmou O Globo, no domingo, 21/8, no alto da página 4, em reportagem de Martha Beck. E a linha fina, o olhinho, resumia: “Apesar do acerto com Meirelles, governo elevou déficit e deu reajustes”.
Afinal, vai melhorar, ainda que muito lentamente, como tenho repetido aqui há várias semanas? Ou vai ficar tudo na mesma, como se ter no Ministério da Fazenda Guido Mantega ou Henrique Meirelles fosse a mesma coisa? Como se ter no BNDES Luciano Coutinho ou Maria Silvia Bastos Marques desse na mesma? Como se ter na Petrobrás Graça Foster ou Pedro Parente não fizesse a mínima diferença?
Como se pudesse haver algo pior do que ter Dilma Rousseff na Presidência da República?
Logo abaixo vão os números de dois indicadores divulgados nos últimos dias, e em seguida duas análises, uma de Míriam Leitão no Globo, outra da revista britânica The Economist, também publicados há pouco.
E, depois, um editorial extremamente ponderado, equilibrado, sensato, do Estadão de domingo, 21/8, sobre as expectativas diante do governo Temer.
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* Confiança do comércio no Brasil sobe pelo 4º mês seguido em agosto.
“O Índice de Confiança do Comércio (Icom) do Brasil avançou pelo quarto mês seguido, com altas nas medições da situação atual e das expectativas, informou nesta quinta-feira (dia 25/8) a Fundação Getulio Vargas (FGV).
“O Icon subiu 7,2 pontos em agosto, atingindo 82,1 pontos. Na média móvel trimestral, o índice subiu 3,7 pontos e registrou a maior alta da série iniciada em março de 2010.
“No mês, o Índice de Expectativas (IE) subiu 8,2 pontos, para 93,0 pontos. Já o Índice da Situação Atual (ISA) avançou 5,9 pontos, a 72,0 pontos.” (O Globo online, 25/8/2016.)
* Começa a melhor a intenção de consumo.
“Depois de seis meses consecutivos de queda, o índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), calculado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), teve alta de 0,9% em agosto em relação a julho, indo para 69,3 pontos. É possível que a melhora reflita expectativas mais otimistas com relação ao mercado de trabalho, decorrente do fato de que o número de demissões cresce mais lentamente.
“O nível ainda é baixo, já que a pontuação varia de zero a 200, mas, entre os 7 quesitos que compõem o índice, o único que foi superior a 100 – acima do limite da chamada zona de indiferença – foi justamente o emprego atual, que alcançou 102,3 pontos, apresentando alta de 1,6%. Já a perspectiva com relação ao mercado de trabalho avançou 0,5% em agosto diante de julho.
“O porcentual das famílias que se sentem mais seguras no que diz respeito ao emprego é atualmente de 28,9% do universo pesquisado, o que não é uma taxa elevada, mas que não chega a ser desanimadora em face da profundidade da crise pela qual o País vem passando desde meados de 2014.
“O nível de consumo subiu 0,5% em agosto, sempre em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Apesar de as vendas em datas festivas não terem correspondido à expectativa, tem havido uma ativação do comércio de produtos do ramo mole (que não inclui bens duráveis de consumo).” (Editorial econômico, Estadão, 21/8.)
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O começo do fim
Por Míriam Leitão, O Globo, 19/8/2016.
O fundo do poço da economia foi em abril, diz o empresário Flávio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo. A longa temporada de números negativos nas vendas de varejo começou no fim de 2014 e será deixada para trás depois de setembro. “O Natal já vai ser melhor”, aposta ele. O setor perdeu 500 mil vagas na crise e, segundo o empresário, poderia estar gerando muito mais empregos.
O Indicador Antecedente de Vendas (IAV) mostra exatamente essa trajetória, como se pode conferir no gráfico abaixo. O índice é resultado de consulta a 600 gerentes de compras das grandes empresas de varejo e antecipa tendências. Pelo gráfico, se vê que o que foi previsto pelo índice acompanha bastante o que realmente aconteceu nas verificações do IBGE, na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC). As piores expectativas foram em abril, quando os executivos consultados esperavam uma queda de 10,9% nas vendas. A PMC mostrou que a redução acabou sendo de 9%. Para os meses cujos dados não saíram, a previsão é de quedas menores. Em setembro, a expectativa é de quase estabilidade (-0,6%).
O varejo teve altas muito fortes durante o governo do PT. De 2003 a 2013, as vendas cresceram 120%, mas as empresas que fazem parte do Instituto para o Desenvolvimento de Varejo (IDV) aumentaram as vendas em 700%. Mesmo com esse desempenho, Flávio Rocha sempre foi crítico do governo Dilma, defendeu o impeachment, e acha que as perspectivas para o governo Temer são boas. Acredita que o presidente interino, se for efetivado, tentará fazer reformas necessárias, como a trabalhista. Faz uma comparação impressionante.
— O varejo americano emprega 42 milhões de trabalhadores e o do Brasil empregava 7 milhões e agora caiu para 6,5 milhões. Como os EUA têm 50% mais população, o Brasil poderia contratar muito mais. O problema é que a legislação trabalhista no Brasil foi feita para a indústria que trabalha de segunda a sexta e acumula estoques. O varejo não é assim e deveria ter liberdade de contratar para as suas necessidades — disse ele, numa entrevista que me concedeu na GloboNews. Segundo Rocha, a reforma trabalhista tem que ter apenas um princípio: o de que o negociado entre trabalhador e empresa se sobrepõe ao legislado.
O Brasil vive um longo vale em todas as áreas, mas nada é pior do que o que está acontecendo no mercado de trabalho. Havia 6,4 milhões de desempregados em dezembro de 2014 e pelos dados do segundo trimestre de 2016, divulgados pelo IBGE, há 11,6 milhões. É urgente a criação de mais empregos, mas o que os economistas estão prevendo é que a taxa continuará subindo nos próximos meses porque a recuperação será muito lenta. Flávio Rocha acha que a situação da economia vai melhorar e rapidamente.
— Não está havendo uma troca de governo apenas, mas o fim de um ciclo que apostou no aumento do tamanho do Estado e elevou impostos. A recuperação será rápida, será em “V”— disse.
Há dúvidas sobre se a retomada será assim tão rápida. As famílias estão endividadas, o desemprego é um freio ao consumo, até de pessoas que não foram diretamente atingidas, e as próprias empresas estão endividadas. O governo não poderá ampliar investimentos por estar em um enorme déficit fiscal. Mesmo assim, a expectativa dos empresários de varejo é que nos setores de bens de menor valor, como vestuário, calçados, livrarias e artigos esportivos, haja em agosto um resultado positivo de 1,8% e em setembro de 2,8%. Mais rápido ou mais devagar, o importante é que o país está começando a sair da longa recessão.
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Agora vai?
Texto da revista The Economist, publicada no Estadão, 19/8/2016.
Para muitos brasileiros, o ponto alto da Olimpíada do Rio aconteceu na segunda-feira, num estádio encharcado pela chuva. Foi quando Thiago Braz conquistou uma inesperada medalha de ouro e quebrou o recorde olímpico do salto com vara. A economia brasileira está longe de realizar proeza semelhante à de Braz, mas talvez esteja começando a sair do chão.
Os sinais ainda são débeis. A indústria voltou a investir: em junho, as importações de bens de capital cresceram, em dólar, 18% em relação a igual mês do ano passado. É a primeira alta anual desde setembro de 2014. Também em junho, depois de dois anos em queda quase ininterrupta, a produção do setor aumentou pelo quarto mês consecutivo. Os estoques começam a encolher e o número de caminhões na estrada parou de cair.
As empresas ainda não estão animadas o bastante para começar a contratar, diz Arthur Carvalho, do banco Morgan Stanley, mas o ritmo das demissões diminuiu. Isso vem deixando os consumidores menos macambúzios: em julho, o Índice de Confiança do Consumidor da Fundação Getúlio Vargas registrou sua terceira alta mensal consecutiva. E o Fundo Monetário Internacional (FMI), depois de repetidas revisões para baixo nas projeções de crescimento para o País, adicionou algumas gotas de otimismo em seus cálculos: agora a instituição espera um crescimento de 0,5% do PIB em 2017. Em abril, suas estimativas diziam que a economia brasileira não sairia do lugar. No setor privado, alguns economistas chegam a prever uma expansão de 2% do PIB em 2017.
Muito desse ânimo renovado vem de Brasília, onde a crise política parece finalmente caminhar para um desfecho. Na próxima quinta-feira, o Senado deve dar início ao julgamento da presidente Dilma Rousseff, que é acusada de maquiar a contabilidade oficial. Embora a petista refute a acusação, poucos analistas duvidam que ela será destituída do cargo – o que deve acontecer em setembro. Os 28 meses que restam de seu mandato serão cumpridos pelo vice-presidente, Michel Temer, que está no comando de um governo interino desde maio.
Temer não precisou fazer muito para injetar disposição na economia brasileira: bastou que não fosse Dilma. A Bolsa de Valores só faz subir desde que ele assumiu a Presidência. Mais pró-mercado que a presidente afastada e dotado de muito mais tarimba para lidar com os congressistas, Temer acena com reformas que deixam os agentes econômicos esperançosos.
Depois de aprovado em fevereiro no Senado, o projeto de lei que amplia a participação do capital privado na exploração do petróleo do pré-sal agora tramita na Câmara. Os parlamentares também estão analisando um projeto que obriga as autoridades a se decidir sobre a concessão de licenças ambientais num prazo máximo de dez meses, agilizando processos que, segundo os investidores, atualmente chegam a arrastar-se por anos a fio. Também na próxima quinta-feira deve sair a lista de estatais que o governo pretende privatizar. Com a forte desvalorização que o real sofreu entre 2011 e 2015, as exportações ficaram mais competitivas, o que também contribui para o otimismo.
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Uma visão equivocada
Editorial, Estadão, 21/8/2016.
Três meses depois de aclamar com grande entusiasmo o afastamento da presidente Dilma Rousseff, os agentes do mercado financeiro começam a demonstrar um pessimismo crescente com relação à atuação do governo chefiado pelo presidente em exercício Michel Temer. As duas reações contêm pelo menos alguma carga de exagero. Por seu impacto sobre a vida das pessoas, a atuação das empresas e o funcionamento do setor público, os graves e extensos problemas produzidos ao longo dos 13 anos da administração populista chefiada pelo PT exigem a busca rápida de soluções. Mas, dada sua gravidade, eles não serão resolvidos em semanas ou meses, como parece ser a expectativa daqueles que viram na evolução do processo de impeachment de Dilma o fim de todos os males políticos, econômicos, sociais e morais que afligem o País.
A ansiedade excessiva de muitos agentes do mercado financeiro parece turvar-lhes a visão da realidade, impedindo-os de ver mudanças relevantes que já ocorrem e os fazendo imaginar que a guerra contra a crise nacional, que é de todos os cidadãos responsáveis, está sendo perdida.
É preciso levar em conta, em primeiro lugar, que, nas circunstâncias atuais, o governo Temer é de transição. Do ponto de vista formal, sua continuidade até 2018 está condicionada à aprovação, pelo Senado, do impeachment de Dilma Rousseff, o que deverá ocorrer até o fim do mês. Certamente o governo, bem como a imensa maioria dos brasileiros, receberá com alívio essa decisão. Mas ela apenas dará ao governo Temer melhores condições para cumprir uma tarefa duríssima, a de recolocar o País no trilho do crescimento, sem o qual não será possível promover a recuperação do emprego, da renda dos brasileiros, dos ganhos das empresas e da receita pública.
Trata-se de uma tarefa de grande complexidade, cuja responsabilidade Temer sabiamente atribuiu a pessoas com competência e talentos que foram reconhecidos pelo próprio mercado quando anunciadas as suas escolhas. Mesmo assim, para uma parte dos operadores do mercado, os escolhidos parecem não inspirar mais o mesmo grau de credibilidade e confiança com que contaram quando assumiram seus cargos. Caberia perguntar aos que começam a manifestar desencanto com o governo: como estaria o País hoje se, por exemplo, o ministro da Fazenda fosse Guido Mantega e não Henrique Meirelles? Quais seriam as expectativas com relação ao déficit primário do setor público?
Decerto nem tudo saiu ou está saindo como queria o governo. Talvez pouco do que se esperava foi aprovado ou caminha com segurança para a aprovação no Congresso. Há um tempo e há um rito na política que nem sempre condizem com a velocidade muitas vezes exigida pelas decisões na esfera puramente econômico-financeira. Em momentos de grave crise, como é este período de transição pelo qual o Brasil passa, esse descompasso pode gerar frustrações, interpretações equivocadas, desânimo.
Fatos naturais da atividade política, decorrentes da indispensável negociação entre Executivo e Legislativo, passam a ser interpretados como recuos, derrotas ou abandono de programas e princípios. O exemplo mais evidente desse fenômeno talvez seja o episódio da negociação da dívida dos Estados com a União e das medidas complementares dessa negociação.
O texto aprovado, que permite o alongamento da dívida dos Estados por 20 anos, impôs aos governos estaduais um rigoroso limite para a evolução dos gastos primários. Mas o fato de, durante as negociações, o governo ter concordado com a retirada da proibição da concessão de reajustes salariais ao funcionalismo – o que, de algum modo, a imposição de um teto para os gastos já contempla – alimentou a falsa interpretação de recuo ou de derrota para o Palácio do Planalto.
O surgimento de sinais tênues, mas positivos, de recuperação em diferentes áreas – da produção industrial às expectativas do comércio – sugere que o ciclo depressivo da economia pode ter chegado a seu ponto mais baixo. É animadora a disposição do governo interino de, com o uso dos instrumentos institucionais ainda precários de que dispõe, preparar o caminho para a solução dos graves problemas do País. Mas parte do mercado parece ignorar tudo isso.
26/8/2016
Um comentário para “Vai melhorar (12). Ou querem Dilma e Mantega de volta?”