Agora que falta pouco

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Você já foi a Brasília? Se foi, naturalmente, não perdeu a oportunidade de visitar os belos edifícios que fazem da cidade uma Capital da Arquitetura. Da emocionante Catedral que nos remete à imagem de mãos postadas em oração, aos palácios do Itamaraty, do Planalto, da Alvorada e tantos outros.

Brasília é obra de dois gigantes da Arquitetura: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Eis as palavras que Lúcio Costa usou para apresentar seu Plano Piloto que tiraria do barro a nova Capital Federal: “Nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.

Oscar Niemeyer, além de desenhar a Catedral, desenhou duas das mais belas obras que podemos visitar em Brasília: a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, duas capelinhas que representam muito bem o gênio do imenso arquiteto.

A dedicada a Nossa Senhora de Fátima é inspirada no chapéu engomado de algumas congregações de freiras. A de Nossa Senhora da Conceição, nos jardins do Alvorada, que compete em beleza e engenhosidade com as célebres colunas daquele palácio, é um exemplo extraordinário do domínio que Niemeyer tinha do concreto armado: parece um objeto feito em cartolina por uma criança talentosa. Ambas tombadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

O arquiteto não contava, é claro, com a presença em palácio de uma presidente que despreza quem pensa diferente dela e que não respeita quem tem Fé. E que também demonstrou que desconsidera a cultura brasileira, assim como a lei que tomba nossas obras mais valiosas.

Não se trata aqui de chamar a atenção para o fato de Dilma não aparentar ser religiosa. Isso é da alçada íntima de cada um. O que choca é o desacato à nossa História e à nossa Cultura.

O leitor há de pensar: que importância tem isso diante do total desrespeito que o governo de Dilma Rousseff demonstrou pelo Brasil, ao passar por cima de nossas leis a ponto de deixar o Brasil na terrível situação em que nos encontramos? De uma presidente que desconsidera os representantes do povo no Congresso Nacional ao esbravejar por aí que está sofrendo um golpe? (Ela insiste em que é vítima de um golpe e que vai ao Senado não para se defender, mas para defender a democracia. Dilma, desculpa lá: mas golpe dentro do Senado e sob a presidência do Supremo Tribunal Federal, e televisionado, é um engodo difícil de engolir…)

Tem importância, sim, leitor do Blog do Noblat.  Transformar a capelinha de Nossa Senhora da Conceição em escritório para seus aspones foi o cúmulo da desconsideração pelos brasileiros. E foi o que Dilma, a Afastada, fez. (Cláudio Humberto, Diário do Poder, 19/8/2016).

Agora que falta pouco para sua saída definitiva e antes que seja tarde, peço ao IPHAN que examine a capelinha e a devolva à sua qualidade precípua.

Que julgue se houve algum dano à belíssima decoração de seu interior e de seu portal, trabalho magnífico do maior artista plástico de Brasília, Athos Bulcão.

Que examine com lupa o estado da pintura original que reveste o interior do teto, composta por quatro figuras – a cruz, o peixe, o sol e a lua. Assim como aos lambris em jacarandá revestidos em ouro que forram as paredes internas.

Que veja o que foi feito da mesa de seu altar-mor e dos genuflexórios. Imagino que tenham sido retirados do interior da capelinha, já que não posso acreditar que os aspones usassem essas peças para apoiar seus smartphones e tablets. Onde estarão?

E que, ao fim desse exame, o IPHAN puna os responsáveis se porventura encontrar algum dano.

Quem sabe, assim, quando setembro vier, com a capelinha de novo um templo dedicado à Nossa Senhora da Conceição, a Iemanjá de muitos brasileiros, não poderemos recomeçar a reerguer o Brasil?

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/8/2016. 

2 Comentários para “Agora que falta pouco”

  1. Somos filhos da época
    e a época é política.

    Todas as tuas, nossas, vossas coisas
    diurnas e noturnas,
    são coisas políticas.

    Querendo ou não querendo,
    teus genes têm um passado político,
    tua pele, um matiz político,
    teus olhos, um aspecto político.

    O que você diz tem ressonância,
    o que silencia tem um eco,
    de um jeito ou de outro político.

    Até caminhando e cantando a canção
    você dá passos políticos
    sobre um solo político.

    Versos apolíticos também são políticos,
    e no alto a lua ilumina
    com um brilho já pouco lunar.
    Ser ou não ser, eis a questão.

    Qual questão, me dirão.
    Uma questão política.

    Não precisa nem mesmo ser gente
    para ter significado político.
    Basta ser petróleo bruto,
    ração concentrada ou matéria reciclável.
    Ou mesa de conferência cuja forma
    se discutia por meses a fio:
    deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
    numa mesa redonda ou quadrada.

    Enquanto isso matavam-se os homens,
    morriam os animais,
    ardiam as casas,
    ficavam ermos os campos,
    como em épocas passadas
    e menos políticas.

    “Filhos da época”, no livro de poemas de Wislawa Szymborska. Trad. de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. pp. 77-78.

  2. A autora queixa-se do desacato à nossa História.

    Mas, para que acatá-la? Uma História de vergonhas e absurdos do início ao fim!

    Há, no Brasil, pouquíssimos lampejos de orgulho histórico. Posso contá-los no dedo:

    1. A sociedade pré-colonial, formada a partir de São Vicente (SP), mui distinta das sociedades europeias: orgulho nacional;
    2. Resistência indígena à escravidão;
    3. Palmares e os negros resistentes: todos eles;
    4. Confederação do Equador, com núcleo central em Recife;
    5. A Praieira, também em Recife;
    6. A Cabanagem do Grão-Pará;
    7. A Revolta dos Malês bahianos (afinado ao Item 3);
    8. A resistência paulista e a criação da USP nos anos 30;
    9. A segunda Era Vargas: orgulho para o Brasil, pesadelo para os EUA e a UDN;
    10. O ministério do Jango (Celso Furtado, Bocaiúva Cunha, Darcy Ribeiro);
    11. As derrotas da ditadura em 1980 e 1981;
    12. A “Marcha das Diretas”, do Maestro Jorge Antunes: momento único neste País;
    13. Os PLs de iniciativa popular (Ex.: Ficha Limpa).

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