Exatamente quando o Brasil e Argentina vivem o melhor momento de suas relações, os dois países estão sendo obrigados a administrar o baita sururu que se formou no Mercosul por açodamento e precipitação de seus governos passados.
Há quatro anos, a presidente afastada Dilma Rousseff e a ex Cristina Kirchner forçaram a mão para o ingresso da Venezuela no bloco, apesar de o país de Hugo Chávez e Nicolás Maduro não preencher várias exigências, entre elas a cláusula democrática, reafirmada em 1998 pelos países membros e associados, no Protocolo de Ushuaia.
Naquela época, os ventos que sopravam na América do Sul eram outros. O continente vivia o auge do bolivarianismo, do chamado “socialismo do século vinte e um”, com suas diversas variantes, todas elas fracassadas, como o tempo, senhor da razão, demonstrou.
Só que a fatura está sendo cobrada agora. Pelo critério da rotatividade, seria a vez de a presidência do Mercosul ser exercida pela Venezuela, tendo Caracas como sua sede pelos próximos seis meses.
Já imaginaram Maduro comandando as negociações com a União Européia? Impensável. Como um país que não consegue se governar pode governar um bloco econômico e levá-lo a aprofundar as relações com o mundo?
Deu-se o impasse. E o Mercosul está acéfalo ao menos até o final de agosto. Não há consenso entre os quatro sócios fundadores.
Para evitar o desastre e o vexame, Brasil, Argentina e Paraguai não concordaram em passar a presidência para os venezuelanos e buscam uma fórmula para contornar o enrosco; talvez o “rebaixamento” do status da Venezuela no bloco.
Quando ingressou no Mercosul, Caracas tinha quatro anos para se adaptar e cumprir todos os requisitos do bloco. O prazo encerra-se no próximo dia 12 de agosto. É improvável que o governo de Maduro se enquadre nas exigências.
A posição dos três países é corretíssima. Não se trata de pôr a faca no pescoço da Venezuela ou de ingerência interna. Os problemas da Venezuela devem ser resolvidos, antes de tudo, pelos venezuelanos. Aos países vizinhos compete respeitar o princípio da autodeterminação dos povos e contribuir para soluções pacíficas dos conflitos. Mas falta credibilidade ao governo venezuelano para conduzir algo tão sério como um bloco econômico, onde, de resto, as decisões devem acontecer por consenso.
É preciso uma generosidade infinita para caracterizar a Venezuela bolivariana como uma economia de mercado. Diga-se, de passagem, que não honrou quase a metade das normas e compromissos tarifários assumidos há quatro anos.
E, no requisito democrático, está longe de entregar o mínimo, se aproximando mais de um regime autoritário, sem liberdade de expressão, sem separação entre os poderes.
O Mercosul foi concebido não como contraposição a outros blocos e sim como um passo na integração da região na economia mundial. Por razões ideológicas, ficou de costas para o mundo, engessou seus países membros, impedindo o avanço de acordo bilaterais.
O Brasil, particularmente, pagou um preço caro ao priorizar as relações Sul-Sul nos anos de lulo-petismo. Agora corre para recuperar o tempo perdido.
A história está dando mais uma chance aos países do nosso Cone Sul. Apesar da crise econômica, uma brisa de esperança se espraia pela região, com as mudanças políticas na Argentina e no Brasil. A estabilidade, econômica e política, é o caminho para o incremento das relações comerciais. Concretamente, abre espaço para a formação de cadeias produtivas regionais, com vistas a dar maior competitividade aos países.
Não se pode desperdiçar essa oportunidade. Como alertou Shannon O’Neil, especialista em América Latina do think tank Council on Foreign Relation, “vai chegar uma hora em que o Brasil e Argentina, como maiores economias e líderes do bloco (Mercosul) terão de decidir se querem fazer acordo com a Parceria Transpacífico, a União Européia, os Estados Unidos, sem a Venezuela.”
Preferencialmente, com ela junto. Mas, se necessário for, sem ela.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/8/2016.
“Colonies do not cease to be colonies because they are independent” – Benjamin Disraeli
O Disraeli demonstrou uma visão de mundo mui semelhante ao do supra citado Shannon O’Neil:
– Faça comércio comigo, mas só se isolares Cuba, Venezuela etc., muito “independentes” pro meu gosto. E chega dessa frescura de Sul-Sul, que só serve para atrapalhar.
Ainda não pesquisei o que o senhor O’Neil pensa do Banco do BRICS (estou com medo de me aborrecer).
Não se deve confundir as:
– economias de mercado puras (Somália, Paraguai, Emirados Árabes etc.)
com
– economias de mercado com influência socialista (Noruega, Austrália, Alemanha…)
Na Alemanha (RFA), por exemplo, os conselhos de administração das empresas PRIVADAS inclui membros de sindicatos. Nome disto: mistura de capitalismo com socialismo, na Bundesrepublik Deutschland. Isto porque capitalismo puro não funciona: a África que o diga.
O Chávez quis introduzir mecanismos socialistas numa economia de mercado pura, e pagou caro por isso (golpe da CIA em 2002, etc.)