O que você fez com o primeiro salário que recebeu na vida?
Meu amigo Dirceu Martins Pio acha que esse tema pode dar samba, pode dar jogo, pode dar um bom papo.
O Pio leu um textinho que publiquei aqui dias atrás, falando sobre som, aparelho de som. O texto começava assim:
“Em 1972, meu quinto ano de São Paulo, eu já estava bem melhor de vida. Pude alugar o primeiro apartamento só para mim, depois de dividir quarto de pensionato e apartamentos com amigos. Tá certo que era na General Jardim esquina com Rio Branco, em plena Boca do Lixo – ainda não havia a Cracolândia –, mas era só meu, e pude comprar meu primeiro aparelho de som.”
Pus no Facebook um post chamando para meu textinho. Mestre Carmo Chagas fez o seguinte comentário: “Veja só a semelhança, SVaz: comecei a trabalhar em 1958, meses antes de completar 17 anos, e usei meu primeiro salário para comprar um aparelho de som — bem simples, picape, mas o suficiente para ouvir com prazer.”
O veterano Ludenbergue Góes comentou: “Quanta diferença: usei meu primeiro salário de revisor para comprar uma calça ‘ranchera’”.
De Santos, o José Guido Fré emendou: “Aos 12/13 anos, levei minha mãe para receber o 1º salário…”
O Pio entrou: “E eu peguei meu primeiro salário e nem tirei do envelope, levei tudo para um irmão que passava por dificuldades…”
E veio com a idéia (o Pio sempre vem com idéias): “Servaz, por que não fazer aí no seu blog um concurso entre amigos para descobrirmos o que cada um fez com o seu primeiro salário? Não é uma boa?”
Bem, não sei como fazer um concurso. O que posso fazer é botar este post aqui no 50 Anos de Textos, contar o que eu fiz com meu primeiro salário, e convidar, no Facebook, os amigos para participar da brincadeira.
É de fato uma boa brincadeira. Mezzo nostálgica, mezzo sociológica. Mezzo saudosista, mezzo curiosa. Mezzo “ah, que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha juventude querida que os anos não trazem mais”, mezzo estudo antropológico.
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Recebi meu primeiro salário na terra do Pio, “Curitiba, a fria, onde Jânio Quadros comia moscas”. “Onde não sei se por sorte ou por castigo dei de parar por algum tempo que afinal passou depressa como tudo tem de passar.”
Vixe. Sou um citador incorrigível, inveterado. A mais recente citação talvez seja a mais óbvia – é Gil, é claro, “Back in Bahia”, 1972. “Curitiba, a fria…” é a abertura de um texto extremamente polêmico, publicado na Revista da Civilização Brasileira em 1966 ou 1967, não me lembro – exatamente os dois anos que passei lá, entre Belo Horizonte e São Paulo. “Oh que saudades” obviamente é Casimiro de Abreu.
Tinha 16 anos em 1966. Era sustentado, então, pelo meu irmão logo acima de mim, o Geraldo, que tinha chegado a Curitiba um ano antes, por sua vez levado pelo nosso primogênito, Floriano, desde 1963 juiz do Trabalho no Paraná.
Não me lembro como, consegui um trabalho no ICBEU, o Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos, que ocupava, naquele tempo, o último andar de um prédio todo especial, todo Art-noveau, bem na Boca Maldita, na junção da Rua XV com a Praça Osório – algo que corresponderia um tanto ao Marco O de São Paulo na Praça da Sé.
Era um trabalho na secretaria, para atender aos alunos, responder às dúvidas dos alunos. Uma espécie assim de office-boy um pouquinho preparado para verificar dúvidas, anotar questionamentos, para depois encaminhar. Sei lá se tinha um nome.
Exigiam-se alguns conhecimentos fundamentais, um inglesinho básico – que eu já tinha, graças ao Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.
Empreguinho bom, aquele. Incluía bolsa total para cursar o próprio ICBEU, e cursei, ao longo do semestre em que trabalhei lá. Havia lá, além de ótima biblioteca, também uma seção de discos, com vários discos americanos mesmo, importados – peguei para ouvir em casa alguns LPs maravilhosos, inclusive o Odetta Sings Dylan, um dos discos mais marcantes da minha vida.
Com tantos fringe benefits, o salário em si não devia ser coisa boa.
Mas – e agora, depois de encompridar demais o texto, chego de volta ao princípio da história – o fato é que era um salarinho.
E eu sei o que eu fiz com parte do primeiro salário que ganhei na vida. Comprei um disco.
Tenho ele até hoje, é claro. É a minha moeda número 1.
É o LP See What Tomorrow Brings, de Peter, Paul and Mary, que tinha sido lançado nos Estados Unidos no ano anterior e, naquele ano de 1966, acabava de ser editado no Brasil.
Muito mais tarde, com o original já comido pelas agulhas, várias delas nada recomendáveis para audiófilos (mas fazer o quê, quando a gente é bem jovem e sem grana?) comprei o LP de novo, desta vez o importado. Olha eles aí:
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Era uma maravilha essa coisa de que, quando ganhávamos nosso primeiro salário, nós, da classe média brasileira aí nos anos 50, 60, 70, podíamos comprar luxos, coisas não básicas, não fundamentais.
Eu, em especial, teria que me ajoelhar no milho e agradecer: sempre fui privilegiado demais.
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Pronto, Pio. Bola com você agora!
Agosto de 2016
Servaz, estou esperando você colocar aqui os comentários que recebeu da sua turminha de aconchego do Facebook sobre o primeiro salário. Você prometeu , espero que o faça, para os Miltinhos e Valdires também poderem participar.
Abraço
(Atenção: a mensagem acima tem o propósito de ser uma gozação.)
Servaz, apertei sem querer uma tecla e o texto
se foi para publicação, sem o meu consentimento. Ficou meio truncado, mas espero que dê para entender.
Valdir, vou fazer isso, prometo – e sua mensagem é perfeitamente compreensível.
Dei uma saidinha de casa, a convite da filha, pelo Dia dos Pais, mas assim que voltar trago para cá os comentários dos amigos no Face.
Sérgio
Muito bom!
PS: Sérgio vive falando que tá velhinho, mas está super “muderno” respondendo a comentários pelo celular. hehe
Brincadeiras à parte, fez muito bem em aceitar o convite da filha, e mais ainda, em ter ido comemorar ontem. Hoje estará tudo lotado.