– “Vovó, por que a Fortuna vive no mundo da lua?”, perguntou Marina, muito séria, algum tempo depois que revimos, a pedido dela, o DVD Tic Tic Tati.
A referência, claro, é a “Lindo Balão Azul”, a pérola que Guilherme Arantes compôs para uma das séries da Rede Globo baseadas em Monteiro Lobato, e que abre e fecha o show de Fortuna.
– “Vovô, por que a cigarra só canta?”
Essa foi mais tarde, já na cama, um tanto passando da hora de dormir, quando eu começava a ler uma versão curtinha da fábula da cigarra e da formiga.
– “Vovô, por que no lugar do rato tem um cozinheiro?”
Essa foi logo em seguida, quando avancei para a história do rato da cidade e o rato do campo – e, na cidade, o ratinho vive junto da cozinha de um restaurante.
Essa coisa interrogativa nos chamou bastante a atenção, neste fim de semana, a quarta vez em que ela dormiu aqui em casa só conosco, sem a mãe ou a Cláudia.
Não é nada estranho – a fase dos por quês é mesmo por volta dos 3 e 4 anos, segundo indica o primeiro texto que aparece após uma googlada. Eu só não tinha notado antes que Marina já está nela, aos 3 anos e 2 meses.
Gostoso. Prevejo mais bons diálogos daqui pra frente. Às perguntas que transcrevi acima, já respondi falando da “Viagem ao Céu” de Lobato e do conceito das fábulas e da moral da história.
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Foi uma netada longa (de quase 24 horas, das 4 e pouquinho da tarde do sábado até 2 da tarde do domingo) e das que chamo de pragmática (para liberar a mãe, que precisava trabalhar muitas horas extras para pôr absolutamente em dia todos os processos). Longa, pragmática – já o adjetivo deliciosa é desnecessário, por pecar pela obviedade.
Outros destaques destes dois dias:
* Cada vez mais grudentinha. Gosta de carinho, contato físico. Vai se encostando na gente. Pega no rosto da avó. Pega na mão do avô – quando está vendo DVD, quando está deitada pra dormir e pede para o avô ficar ali pertinho com ela.
* Anda inventando uma língua própria, específica. Ao contar historinha para os “filhos” (trouxe da casa dela o inseparável Elmo e a Minnie, e aqui agregou à família a Abelhinha e o Ursinho Panda), falou – e falou muito, bastante – numa língua que ia inventando, algo que me faz lembrar um pouco o som do árabe e ao mesmo tempo do russo, se é que algo assim é possível.
* Por falar na palavra “própria”, está gostando de usá-la. Ao colocar os quatro filhinhos dentro da barraca que tem num dos lados o desenho da frente de um carro, nos avisou: – “Cada um deles tem a sua própria cadeirinha”.
* Me perguntei, e perguntei pra Mary, depois que Marina dormiu, se a pequena já faz idéia do que é exatamente o avô, a avó – se ela já tem totalmente a compreensão de que avô é pai do pai ou da mãe. No domingo pela manhã, resolvi perguntar para ela. – “Marina, vou fazer uma pergunta. Você pode dizer que não sabe, pode nem responder. Se quiser responder, responda: Você sabe o que a Bisa é da sua mãe?” Disse que não sabia. Eu expliquei, claro, que a Bisa é a avó da mãe dela. Prestou atenção, pensou sobre o assunto. E aí perguntou: “Quem é a mãe da minha mamãe?” Respondemos, quase em coro, que é a vovó Suely, que está naquela foto que está sempre no quarto dela. Acrescentei que a vovó Suely está morta assim como o pai do papai. Não dá para saber o quanto de tudo isso de fato já apreendeu, mas ouviu com extrema atenção.
* A questão sobre o quanto a pequena já compreende essa coisa de pai do pai, mãe do pai, mãe e pai da mãe me ocorreu porque no sábado à noite, no meio de uma brincadeira na sala (ela, eu como mero coadjuvante, nos apresentávamos no teatro para um público formado pela avó e pelos filhinhos/bonequinhos dela), Marina de repente parou para examinar, com muita atenção, o meu quadro feito com uns 20 fotos de Fernanda criança. Eu não me lembrava de ela ter examinado aquelas fotos da mãe, mas Mary diz que já houve ocasiões assim, antes.
* Fiz para ela, pela primeira vez, aquela coisa do dominó em que uma peça vai derrubando a outra, aquela do soldadinho, ou teoria do dominó. Fazia dias que pensava em apresentar a brincadeira para ela, agora que já aprendeu direitinho a jogar dominó, e joga aqui comigo e na casa dela com mãe e pai. Ela a-do-rou. Fez a carinha de alegria mais maravilhosa do mundo, deu pulinho, fez exclamações. Repeti a brincadeira, e ela voltou a curtir demais da conta. Mas recusou o convite para uma partidinha. Compreensível: o dominó de verdade, de madeira, só com as bolinhas, é bem menos interessante do que o dela daqui, com os desenhos da Elsa do Frozen, e o dela de lá, com desenhos de princesas.
* Brincamos de mais de dez coisas diferentes. Uma hora lá, pediu para brincar com a máquina de escrever, que chama de máquina de trabalhar. Sentou-se sobre as almofadas, diante da minha velha Olivetti, e foi batucando nela, enquanto, de vez em quando, dizia para os quatro filhos, Elmo, Minnie, Abelhinha e Ursinho Panda: – “Filhos, a mamãe tem muito trabalho e não pode brincar com vocês. Então vocês vão brincar com a babá.” A babá era a avó.
* Nós a levamos no sábado, num frio de uns 7 graus, à festa junina da paróquia ali do lado, a três quadras de casa. A festa estava gostosa, tinha muita gente, mas as atrações para crianças de 3 anos e 2 meses eram poucas, e então não ficamos muito – mas, na barraquinha de pescar, ela, com algum auxílio da mão da avó, conseguiu pescar um peixe branco, que se transformou numa prenda, um envelopão com todos os números e símbolos de operações aritméticas. Adorou; em casa, abrimos, ela brincou um tempão com eles. Mas o mais interessante da rápida passagem pelo arraial do padre da Apiacás foi a observação que ela, no meu colo, me fez bem pertinho do ouvido (o ruído de vozes mais a música no sistema de som era alto): – “Vovô, tem muita gente que eu não conheço!”
* Ah, o frio? Marina não é nada friorenta, ao contrário da mãe. Nesse quesito específico, como em muitos outros, puxou o pai, graças ao bom Deus. Estava super bem agasalhada, é claro, e não sentiu frio algum. Quanto ao avô, ficou bem suado carregando Marina no cangote Apiacás acima, na volta. Continua muito magrelinha, nossa baby, mas cresce, e pesa.
12/6/2016
Que texto delicioso! Muitos momentos Marina virão. Escreva sempre sobre eles, caro Sérgio e compartilhe essa experiência única conosco. É muito bom ver pessoas felizes.Carinhos para vocês :-)
Delícia receber essa mensagem, Angela querida.
Um grande abraço!
Sérgio
Minha esperança cresce e já questiona.