Hábil na escolha das frases e na mixagem dos tons — do sério ao indignado, do didático ao malandro –, o ex-presidente Lula ainda tem domínio de palco. Mas, definitivamente, já não é o mesmo. Se consegue empolgar a torcida, o faz com uma fórmula gasta e repetitiva, incapaz de ultrapassar os limites da fé cega de seus fãs. E, como sempre, excede na torção dos fatos a seu bel prazer e conveniência, nos impropérios ou na simples mentira.
Foi o que se viu, mais uma vez, na sexta-feira, no ato “Fora Temer” na Avenida Paulista. Ao rol de mesmices sobre o “golpe” contra a presidente afastada Dilma Rousseff e a ilegitimidade do presidente interino Michel Temer, Lula se valeu de sandices, desacato, agressões pessoais, desapreço à democracia e desrespeito à Constituição.
A ele, pouco importa o “Fora Temer” ou o “Volta Dilma”. O que vale é o palanque para manter viva a candidatura em 2018.
Depois de expor uma visão muito particular do golpe de 1964 e da campanha das Diretas-Já, e de embrenhar-se em uma danada confusão ao comparar a revolução de Fidel Castro e o governo Michel Temer, Lula voltou-se ao seu papel predileto de benfeitor único dos pobres. Essa fonte inesgotável de votos, que, pragmaticamente, é melhor que permaneça na pobreza.
Em flagrante afronta à Carta, que estabelece o Parlamento como único fórum legal para processar o impedimento de um presidente, surrupiou a legitimidade dos deputados federais, afirmando que “só o povo que elegeu Dilma pode tirar Dilma”. E incluiu os parlamentares pró-impeachment na lista ampliada dos 300 picaretas a que se referira nos anos 1990.
Falando muito mais de si e de seu governo do que da pupila sucessora que só deu dor de cabeça a ele e ao país, Lula berrou contra privatizações que nem de longe estão na mira do governo Temer. “Vão querer vender a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa, a Eletrobras, a Transpetro. Vão vender tudo.” E, para delírio da plateia, arrematou: “Vão querer vender a mulher e até a família”.
Nada de novo. A ladainha contra a privatização está no discurso do PT desde sempre. Mas Lula agudizou: “para privatizar não precisa de governo, só de agiotas”.
Em outro momento, inspirado em Hugo Chávez, mas na versão piorada, mais semelhante ao desconcertado Nicolás Maduro, Lula dedicou-se a achincalhar o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que teria reacendido o “complexo de vira-lata” do Brasil. E, de novo, se agarrou ao lugar comum para lembrar que é filho de analfabetos, e que tinha aprendido a não ser melhor nem pior do que ninguém, mas ser igual.
A lição jamais assimilada faz Lula supor que está acima do bem e do mal. E, embora saiba da impossibilidade de ocultar fatos e reconstruir a história com a lábia, não vislumbra outra saída – até porque não há. Portanto, vai ocupar palanques em cada ato anti-Temer e fazer exatamente igual. Defender Dilma não mais do que protocolarmente, atacar rivais a ferro e fogo, tentar juntar o que resta de seguidores.
Na ponta da língua traz o discurso de condenar os que denunciam a roubalheira que fez de seu governo e de sua sucessora um sem-fim de escândalos, acusando a existência de conluio entre gente do Ministério Público e da Polícia Federal com jornalistas. Vazamentos condenáveis quando mexem com ele, Dilma e o PT, aplaudidos e comemorados quando apertam os calos de Aécio Neves e do PMDB de Temer.
Na mesma sexta-feira em que o ex ouvia “olê-ôlê-olá, Lula, Lula!”, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, solicitava ao Supremo que a investigação de Delcídio do Amaral, que envolve Lula na tentativa de evitar a delação premiada de Nestor Cerveró, fosse despachada para o juiz Sérgio Moro. Outros três procedimentos – sítio de Atibaia, tríplex do Guarujá e a inclusão no processo principal da Lava-Jato – já estão nas mãos do ministro Teori Zavascki e também devem seguir para Curitiba.
Quase todas as vezes que fala em público, Lula “ameaça” ser candidato se “eles” continuarem a provocá-lo. Mas foi-se o tempo em que o “eles” era o nome genérico da oposição. Hoje, o único “eles” capaz de provocar Lula é a Justiça. E, ao que parece, ela não se inibe diante de ameaças.
Para varrer Lula precisamos de competência.
Mary, Lula aparece por inteiro nesse nude que você fez dele. Se puser na rede, viraliza.