Acontecem tantas coincidências, tantos encontros nada planejados com conhecidos, que brinco que a gente vive numa cidadezinha pequena.
Ontem, segunda, por volta de 7 da noite, um frio danado, resolvi sair pra caminhar um pouquinho e comprar.
Estava ligando o aplicativo de caminhada, todo atrapalhado, quando vi, do outro lado do portão do meu prédio… a minha filha! Linda, bem vestida, doutora, vindo do Fórum, passando aqui pra pegar a mochila da Marina que Mary e eu tínhamos esquecido de levar no domingo à noite.
E o porteiro do meu prédio não estava, estava na garagem! Se eu não estivesse saindo naquela hora exata…
Peguei carona de poucas quadras com Fê MaraFilha até o St. Marché na Sumaré, e pela milionésima vez comentei com ela que delícia é o fato de estarmos morando pertinho nesta cidade que não tem mais fim.
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Hoje Mary e eu levamos Andrea pra jantar no Jardin di Napoli. Fiz lembrar a Andrea que tínhamos ido ali com o Bêka, quando ela namorava o Bêka – quantos mil anos-luz atrás?
Quando saímos, sugeri um café no shopping. Estava fechando, e felizmente não teve café algum. Continuamos caminhando pela Higienópolis, e a verdade é que há pouquíssimas avenidas tão belas quanto a Higienópolis. Então, enquanto andávamos pela avenida, às 11 da noite, como se estivéssemos num filme passado em Nova York, Londres, Paris ou Buenos Aires, eu felicinho depois de uma dose grande de vodka, resolvi contar para elas que tinha duas lembranças absurdas e absurdamente antigas que tenho de São Paulo, de antes de vir para cvá:
– uma, de quando passei, tipo 12 anos, ao longo de toda a Paulista, na Vemaguete do meu irmão mais velho, eu, um caipira pira pora nossa muito garoto de Belzonte, andando pela primeira vez na maior cidade do país – eu era muito garoto, mas já admirava muito esse negócio de metrópole, e senti uma coisa forte, danada, um choque de admiração, respeito, paixão;
– duas, de um dia em que passei de ônibus interurbano vindo de Curitiba, tipo 16 anos, pela Angélica, lá pelas 6 horas da manhã, e vi um casal de jovens se beijando na calçada, e senti uma coisa forte, danada, um choque de admiração, respeito, paixão, por cidade grande.
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Mary e Andrea ouviram minhas histórias com o respeito que se deve a um senhor meio bebinho, enquanto continuamos andando pela Higienópolis.
Ai entramos na última quadra, o Sion à esquerda, e enchi os ouvidos delas contando que tinha sido numa das salas do Sion que fiz o vestibular para a ECA-USP – a mesma sala em que estava também a Vera Vaia. E dois minutos depois estávamos diante do Rio Branco, e contei pela bilionésima vez que na “formaturazinha” do pré, minha filha tinha sido escolhida oradora, e a formatura tinha sido ali.
E aí, antes que déssemos mais dois passos, um táxi parou pertinho de nós. E de lá desceu Heródoto Barbeiro, exausto depois de mais um dia pesado de trabalho, e da calçada eu o recebi com um “Professor!”
No táxi em que chegava o Heródoto e nós pegamos, contei para minha amiga Andrea, que mora em Brasília, que Heródoto Barbeiro foi meu professor no cursinho do Objetivo, na Paulista 900, o prédio da Gazeta, em 1970, o ano em que comecei a trabalhar no Jornal da Tarde.
Cada pedaço da cidade tem a ver com alguma coisa da minha vida.
A cada momento em que paro um pouquinho para pensar nesta cidade que amo apavoradamente, sinto uma enorme felicidade por São Paulo ter me tratado tão bem, tão maravilhosamente bem.
24/5/2016
Boa homenagem de Sérgio a grande São Paulo onde morei durante 18 meses. Tenho saudades do bar Lírico e de um incrível final de semana prolongado por um feriado de Corpus Cristi na casa de amigos residentes em São Miguel Paulista. Desde aquela época já me sentia triste ao ver o abandono da cidade ao rio Tietê já que me tornei mais cariocalista que cariocatano.
Ao comparar as meninas da paulicéia passei a entender a deselegância “concreta” de suas meninas comparada a pouco discreta elegância de suas esquinas. Sampa jamais revelou uma Roberta Close ou Rogéria, neste aspecto o Rio continua lindo.
Sampa é tão pequena para seus amantes moradores que se beijam publicamente ás 6 horas da manhã mas é enorme aos olhos dos matutos que a visitam embevecidos com sua grandeza e progresso.
Voltando pela marginal sonho um dia ver aquele cartão postal limpo e recuperado. Se transpuseram o São Chico por que não despoluir o Tietê e enche-lo de gondolas no seu leito e ciclovias na suas margens?
Na minha visão Sampa se reduz ao Tietê apesar dos afluentes.
Adoro esse hábito do Sérgio Vaz de dar longos passeios pelas ruas de São Paulo. Mas só faço isso em outras cidades. Brasília não permite essa delícia. Aliás, fala-se aqui que o Brasiliense é composto de cabeça, tronco e rodas. A cidade foi feita para se deslocar de carro, pois as distâncias são longas. As áreas comerciais ficam totalmente separadas das áreas residenciais, principalmente aqui no Lago Norte, onde moro. Quem vive nas Superquadras de Brasília, até que pode dar uma boa caminhada pelas calçadas arborizadas ou pelo comércio das entrequadras comerciais, que ficam nos fundos das quadras residenciais. Mas nada se compara com um passeio pelas ruas comerciais do Rio ou de São Paulo.
Um gaúcho que trabalhava na Sucursal de Brasília do Estadão fez uma definição perfeita, Luiz Carlos: “Brasília não é uma cidade, é um autorama!”
Um abraço para você e para o Miltinho.
Sérgio