O dinheiro é o melhor do cinema. Rios de dólares fizeram sublime a estética dos filmes. Há artes pobres, mas o cinema nunca foi uma delas.
Mesmo quando houve filmes de um tostão furado, como as paupérrimas produções de Rossellini – a mãe coragem Anna Magnani a ser abatida pela escória nazi numa rua de Roma –, pobre que fosse, esse era o apaixonado parente do cinema rico. Como, aliás, a hollywoodiana Ingrid Bergman demonstraria, entregando-se, de corpo militante, a Rossellini.
Martin Scorsese, o Arcanjo Gabriel do cinema, escreveu à filha, Francesca. Surripiei-lhes a carta. Scorsese avisa a filha: o cinema, como ele o conheceu e amou, está a dar as últimas. Chora, mas anuncia um futuro luminoso: vai nascer uma miríade de pequenos filmes, feitos em casa, câmaras levíssimas, montagem doméstica, graças ao Final Pro Cut, que a minha filha Rita também usa.
Quem se atreve a não dar razão à esperança bem aventurada de Scorsese? Eu daria, se não tivesse lido a carta que, em 1914, Charlie Chaplin escreveu ao irmão Sly.
Sem notícias havia anos, Sly terá pensado que o mano morrera na Califórnia, ou renegara a família. A carta espelha, vibrante, o sentimento de triunfo de Chaplin – espicaça-o o feliz aguilhão do dinheiro. “Vamos ser milionários, Sly.” E faz contas aos salários semanais que duplicam, à conta bancária gorda. Chaplin vê nos carrinhos de mão cheios de notas a garantia de liberdade artística. O dinheiro é, para Charlot, actor e realizador, palhaço e escritor dos seus filmes, a passadeira vermelha para o céu das artes. Acabou de fazer um filme que custou a monstruosidade de 50 mil dólares: “É o melhor que já fiz e entro em cada plano.” O dinheiro servia-lhe para entrar em cada plano: como queria, livre. Nosso Senhor de si mesmo.
Scorsese tem razão: no negro céu do futuro brilha um milhão de pequeninos filmes. Mas estão tão distantes como as estrelas da Via Láctea. Não é a mesma coisa. A Ponte dos espiões custa uma pipa de massa, uma pipa de massa custam os filmes de Paul Thomas Anderson ou de David Fincher. Pode haver mais liberdade para filmar, mas há menos liberdade para a grandeza do que se pode filmar. Inventar o cinema do futuro é inventar o dinheiro. Ou o cinema será só arte de museu. Entra-se por uma porta académica e sai-se pela porta da depressão.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.