Nunca houve governo tão incompetente (8)

Um editorial e dois artigos publicados hoje – quinta-feira, 26 de março – no jornal O Globo explicam, de forma claríssima, quase didática, o imenso imbróglio em que o governo Dilma se meteu ao mexer populistamente, eleitoralmente, com as dívidas dos Estados e municípios.

Os textos expõem também, da maneira mais clara possível, como é imensa, absurda, incomensurável a incompetência da presidente da República e de seu governo.

Aí vão eles.

O custo do desrespeito à responsabilidade fiscal

Editorial de O Globo de 26/3/2105

 No conjunto de erros cometidos no primeiro mandato da presidente Dilma, um dos destaques foi o atropelamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a aprovação da retroatividade da mudança do indexador da dívida renegociada com estados e municípios na década de 90. A troca da correção via IGP-DI mais juros, a depender do devedor, pelo IPCA ou Selic, o que estiver mais baixo, mais juros de 4%, é correta. Afinal, as taxas na época da renegociação estavam altas e passaram a criar saldos devedores em bola de neve. O próprio criador da lei, o economista José Roberto Afonso, a justifica. Já retroagir a medida significou uma agressão direta ao espírito da LRF, pela qual jamais ocorreria outra renegociação de dívidas da Federação. O que terminou acontecendo, na prática. Dilma sancionou a lei em novembro do ano passado, já reeleita. Foi imprevidente, poderia ter esperado para entender melhor a conjuntura econômica à frente, já enfarruscada. Era evidente a necessidade de um ajuste fiscal, mas Dilma parece ter acreditado no seu discurso de palanque.

E assim a lei se tornou grave ameaça ao próprio ajuste, pois a retroatividade joga mais uma sobrecarga sobre o Tesouro. O Planalto ainda tentou o jeitinho de alegar a necessidade de regulamentações, manobra tornada inócua pela Câmara, com a aprovação a toque de caixa da determinação de que as novas regras entrem em vigor dentro de 30 dias. Foi negociado um prazo até terça-feira para o Senado dar aprovação final ao projeto da Câmara. Nesse dia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, irá à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para explicar o ajuste. O Planalto ganha tempo para propor alternativas. Missão difícil.

Se o Congresso aprovou a mudança de indexador e a retroatividade da alteração, e a presidente sancionou, o legislado tem de ser executado ou não estamos no Estado de Direito. No plano das responsabilidades, todo o peso cai sobre Dilma e sua equipe do primeiro governo, confessos seguidores do “desenvolvimentismo”, antigos adversários da LRF, aprovada no segundo governo FH como um dos pilares da estabilização, mas sempre vista de canto de olho pelo PT. Que, aliás, votou contra a lei. Em vez de buscar arranjos para não cumprir a lei que apoiou e assinou, a presidente deve tratar de compensar o estrago que a medida fará no ajuste fiscal. Ou nada fazer, e assim decretar o fim do governo com três meses de mandato. Pois, sem dúvida, nesse caso, virá o rebaixamento da nota de risco do país, e com isso os capitais externos evitarão a economia brasileira e a crise atual, temporária, de correção de rumos, se aprofundará sem perspectiva de solução.

A vida real empurra Dilma para cortar fundo nos gastos de uma enorme máquina de 39 ministérios e 22 mil cargos ditos de confiança. Mais do que nunca, este aparato se torna inaceitável diante do ajuste que é necessário ser feito. Agravado agora pela herança do estrondoso erro que foi escantear a LRF e renegociar mais uma vez dívidas de estados e municípios.

Governo sem rumo

Por Merval Pereira. Publicado em O Globo de 26/3/2015.

A tensão política só faz aumentar em Brasília, e reflete a disputa intestina dentro de um governo sem rumo e sem liderança. A coalizão governista, artificialmente montada, se desmonta a olhos vistos sem que exista alguém que possa dar um destino, um caminho, para a rearrumação da casa.

Há exemplos de desencontros por todos os lados, e necessariamente a presidente Dilma está no centro de todos eles, em vez de guia tornando-se descaminho. Pode ser que eu tenha perdido alguma coisa, mas há alguma explicação lógica para que uma decisão tomada em novembro do ano passado possa ser desautorizada quatro meses depois pelo mesmo governo?

A repactuação da dívida dos Estados e municípios foi feita durante a campanha eleitoral, e seria até normal que a presidente, para agradar cabos eleitorais importantes, tivesse prometido o que não poderia fazer. Eleita, porém, poderia simplesmente não sancionar o projeto, afirmando que os tempos eram outros. Seria mais um estelionato eleitoral, mas teria nexo.

Do jeito que foi feito, parece que só quando o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou ao governo é que os desmandos foram identificados. Nesse caso, a situação é mais grave do que parece. Se for verdade, Dilma estava convencida, até a chegada de Levy, de que a renegociação da dívida era perfeitamente possível, e que outras medidas que hoje o seu novo governo renega estavam certas.

Quando ela diz que fez tudo certo no primeiro mandato, não estaria mentindo, mas reafirmando convicções. Nesse caso, a continuação no cargo é um perigo potencial de repetição dos mesmos erros caso um dia a economia se recupere ainda em sua gestão.

E quando o ministro Joaquim Levy classificou de “brincadeira” a desoneração da folha de pagamentos de várias empresas, não estava fazendo uma metáfora, estava apenas revelando a qualidade das decisões econômicas tomadas pela equipe de Mantega e sua nova matriz econômica. (…)

Um erro cobra seu preço

Por Míriam Leitão. Publicado em O Globo de 26/3/2015.

Não foram poucos os avisos no ano passado de que a renegociação da dívida dos estados e municípios criaria um nó fiscal e uma distribuição desigual de vantagens. O governo ignorou os alertas, menosprezou os riscos, e a lei foi aprovada e sancionada porque era ano eleitoral. Agora, a conta chegou. Há um problema com as contas: elas sempre chegam na hora que o custo é alto demais.

De volta ao começo para se entender a confusão em que o governo Dilma I nos colocou. Em 1996, começou uma difícil renegociação da dívida com os entes federados. Durou anos. Estados e maiores cidades tinham dívidas altíssimas, grande parte delas com bancos, e juros escorchantes. O governo Fernando Henrique negociou uma consolidação da dívida para que o credor fosse a União e ofereceu dois patamares de juros. IGP-DI mais 6% ao ano para quem fizesse um pagamento inicial através de empresa para ser privatizada ou com outros recursos; IGP-DI mais 9% para quem nada quisesse pagar de entrada. A cidade de São Paulo quis a segunda. Vários outros entes federados fizeram esforços para pagar menos juros.

Durou anos, mas foi a base na qual se redigiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. E lá está escrito que não poderia haver nova negociação. Naquele momento, os entes federados tiveram uma redução do custo da dívida, e, durante muito tempo, pagaram menos que os juros pagos pelo Tesouro. A cidade do Rio de Janeiro fez o caminho do ajuste em duas gestões na secretaria da Fazenda. Nas de Maria Silvia e de Eduarda La Rocque. Mesmo assim, Cesar Maia deixou de pagar e passou ao nível de juros mais altos. Depois disso, Eduarda La Rocque assumiu, fez o ajuste, pegou empréstimos externos, pagou o que devia e reduziu a dívida. São Paulo não fez o mesmo esforço. É por isso que o custo da dívida paulista é maior. Por outro lado, o Rio é hoje uma cidade em que as maiores obras são de financiamento federal, através do BNDES. Mas o momento político é do estardalhaço.

Estados e cidades menores que devem menos, ou que se esforçaram mais, vão ter menos vantagens que estados e cidades mais ricos, por um detalhe absurdo incluído na lei: a retroatividade. Não apenas se muda o indexador para IPCA mais 4%, mas isso tem efeito retroativo. De novo, economistas especializados na área fiscal escreveram, deram entrevistas, mostraram que seria uma insensatez. O governo da presidente Dilma ignorou porque era ano eleitoral e a questão fiscal foi tratada como se não houvesse amanhã.

A lei foi aprovada e sancionada. Quem alertou ficou falando sozinho ou foi ofendido. Agora, o governo argumenta que a lei autoriza, mas não determina. Não é assim que funciona na política. O governo cedeu e agora está enfraquecido. Os políticos querem se fortalecer nos seus estados e cidades, os governantes querem espaço para os seus projetos.

Outro erro que o governo comete agora é enviar o próprio ministro da Fazenda, sem qualquer para-choques, para enfrentar a tropa dos descontentes, onde os mais estridentes ou ardilosos são governistas. Joaquim Levy tem que ser preservado de embates diretos porque não é ele o articulador político. Levy pode ir explicar a crise econômica e fiscal do país, mas não pode ser lançado no meio de um tiroteio político.

O Congresso, quando vota um projeto que manda a lei ser cumprida, está no direito dele, da mesma forma que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, de entrar na Justiça. Eles podem ter outros objetivos, além do fiscal, mas se a lei foi aprovada — equivocada, perigosa, quebrando contratos — com o apoio do governo, e ainda foi sancionada, o erro está feito.

Alguém pagará, isso é certo. Se os estados e cidades não pagam vai para a conta do Tesouro. Outro risco está sobre as medidas propostas para o ajuste fiscal. Em cada uma delas o governo tem acenado com a possibilidade de concessões. Não se faz isso diante de um Congresso rebelado. Quem diz que pode ceder no pouco entregará o muito. Sem o ajuste fiscal para consertar os erros do primeiro mandato, a presidente Dilma terá dificuldades de superar a crise neste segundo mandato. Está na hora de o governo parar de errar e a presidente Dilma assumir o mandato que conquistou “fazendo o diabo para ganhar a eleição”, como prometeu.

26/3/2015. 

Erros, desastre, crise, equívocos… Os jornais falam de Dilma Rousseff. 

5 Comentários para “Nunca houve governo tão incompetente (8)”

  1. Tentar satisfazer as elites foi suicídio a presidenta. A defesa do ajuste fiscal e o apelo ao Congresso ultraconservador e comprometido até a medula em relações promíscuas com o poder econômico foi seu pior erro político.
    Eram 300 picaretas, agora são 400 segundo o ex-ministro Cid Gomes alçado a candidatura presidencial em 2018. Os terraços gourmet que lideram o protesto não serão afetados pelo “ajuste fiscal” que só atingirá atinge as maiorias menos favorecidas.
    A fala de Dilma comprometeu as imagens e ações da esquerda pró-governo no dia 13. A esquerda ficou de braços atados, melhor dizendo cruzou os braços deixando a presidenta entregue à sua própria sorte.
    Há alternativas. Mas agora, elas dependem de uma nova reviravolta política. DILMA sempre´foi guerreira e brasileira. A reviravolta seria a presidenta em troca de uma Constituinte pela reforma política Já, barganhasse com o próprio cargo.
    A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), junto com o ex-deputado Renato Simões (PT-SP), com apoio de 183 deputados, apresentou projeto de decreto legislativo (nº 1508/2014) convocando um plebiscito com a pergunta “você é a favor de uma Assembléia Constituinte, exclusiva e soberana sobre o sistema político?”. Para aqueles que desejam viver em uma sociedade saudável, democrática e civilizada, superando o impasse político de forma consistente e estrutural, esta é a única alternativa possível. Por isso, Soberania Popular e Poder Constituinte, Já!

  2. CONTRA OS CABEÇAS DE OVO.
    É hora de convocar povo a fazer a Reforma Política. Antes que polarização estridente, porém sem conteúdo, radicalize o que política e sociedade brasileiras têm de pior.

  3. Pô, Miltinho, cê tá rápido no gatilho, hein? Não tem nem 15 minutos que eu botei esse post no ar e você já mandou dois comentários!
    Abração!
    Sérgio

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