As vedetas. Por mais que queiramos ser-lhes indiferentes, desprezá-las até com aquele ligeiro véu de nojo do “já estou muito acima disso”, se tropeçamos numa, é logo um desassossego. Desatamos a correr para o “feicebuque” e para o instagram, que é um mimo.
Ainda não havia “feice”, nem “tuíteres”, mas não me esqueço dos pequenos-almoços na mesa ao lado do Gene Hackman. Foi no Sunset Marquis, Los Angeles, três dias seguidos. Sono chapado na cara, éramos sempre os últimos e ele tinha um sereníssimo jornal à frente dos olhos. Ovos com bacon, um litro de café e não trocámos uma palavrinha sequer. O homem queria solidão, não queria cá conversation ou portuguese connections. Nem sei se lia. O jornal à frente dos olhos servia-lhe para não ver o indesejável intruso que eu era.
Não fui eu, e estou proibido de dizer nomes, mas um amigo meu animou uma organização de carolice que, final dos anos 70, tempo em que os animais ainda falavam, trouxe cá algumas adoráveis luminárias. O Eduardo Prado Coelho deu uma mãozinha e veio a Marguerite Duras.
A Duras não veio só com livros debaixo do braço e as latas do “India Song” enfiadas na linda mala parisiense. Vinha acompanhada e queria dois quartos. Dois quartos na charmosa York House, de tão belo e recatado pátio. E abro um parêntesis para me sentar na doçura outonal desse pátio, e voltar a conversar e a beber vinho branco com o Fernando Lopes, um chá com o Antonioni, que se veio queixar ao Luis de Pina da dureza da cama, e – todos juntos, Antónia, Rita Azevedo Gomes, Roger Corman e a Julie dele – com o João Bénard, no último almoço em que o vi, a pletórica vida a rir-se nele.
Dois quartos, disse a Duras. Ora, é muito pequenino o dinheiro das pequeninas organizações. Só havia escudos para um. O meu amigo desculpou-se com a Duras que, hotel esgotado, só havia um quarto. E, por ser uma descarada, mas piedosa mentira, o ardiloso Ulisses que mora no meu amigo pediu pelas alminhas aos recepcionistas que confirmassem estar esgotados, caso a Marguerite inquirisse.
Não foi, como Ulisses nunca foi, desmascarado. E Duras, convivial, inteligente, adorou Lisboa. Transformou-se numa entusiasta apreciadora do vinho verde que o meu amigo, fingindo que eram viagens de InterRail, lhe ia entregar a Paris.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.