Curioso, let it go, petit jeté

2015-03 - Marina dia 19 - Foto Carlos 1

Marina hoje declarou que algo é “curioso”. Nunca tinha ouvido ela falar essa palavra, não sabia que ela já constava de seu vocabulário, e fiquei tão espantado, admirado, fascinado com o fato que sequer gravei o que foi que ela chamou de curioso.

Estávamos nos sentando lado a lado, bem juntinhos,  no sofá da sala para ver a sessão de DVD. Mãe e pai estipularam que Marina tem direito a ver 15, no máximo 20 minutos de DVD toda noite, depois do jantar e de um pequeno período de brincadeira pós-jantar. Serve para sossegar o facho da bichinha, ir desligando a tomada, antes do banho e da mamadeira pré-cama.

Ela escolheu para a sessão de hoje o DVD da Peppa Pig que começa com “Sapatos Novos”. A combinação pré-estabelecida é que, em se tratando de Peppa, ela tem direito a ver quatro historinhas. A segunda historinha do DVD dos “Sapatos Novos” é a da aula de balé.

Marina fala junto com o DVD as expressões francesas usadas na historinha: demi plié e petit jeté. Já tinha acontecido isso antes, aconteceu de novo hoje.

Pouco antes, durante o jantar dela, hoje dado pelo pai, ela tinha cantado o refrão de uma das canções do Frozen, “Let it go”. Canta super bonitinho, com a voz um tanto rouca dela, algo que lembra um tanto Marlene Dietrich e Kathleen Turner, que Deus me perdõe: let it gooooo.

Não consegui me impedir. As palavras saíram antes que eu pudesse pensar:

– “Marina, você é poliglota! Você fala português, francês e inglês! O Lula tem quase 70 anos e só sabe português – e mal!”

O pai e a Cau riram muito. Marina não pegou o espírito da coisa. Felizmente ela ainda não sabe desses horrores dos horrores do lulo-petismo.

***

Marina gosta de cantar. Adora cantar. Ainda não dá para saber se ela vai ser afinadinha como era a avó que ela não pôde conhecer ou absolutamente desafinada como este avô aqui. Acho que vai ser afinada; tem a quem a puxar – o pai é bom na música, e não apenas para ouvir, que é o que eu sou.

Mas o fato é que ela gosta de cantar. Marina é um ser absolutamente alegre, pra cima, brincalhona, sorridente; até parece a avó diante de quem, de imediato, só de olhar, ela começa a gargalhar. Não deverá nunca ser uma pessoa triste, porque, diante dos males, vai cantar e espantá-los.

(Por falar na avó, hoje foi engraçado: foi só tocar o meu telefone que Marina falou: “A vovó!” Atendi, conversei rapidinho com a Mary; perguntei pra Marina se ela queria falar com a avó, ela respondeu, lindinha: “Não”. Educada, ela não interrompe refeições para falar ao telefone.)

Andou cantando “Mamãe, eu quero”. Gosta de cantar “Nós gatos já nascemos pobres porém já nascemos livres” – fica entusiasmada quando canta os versos que Chico Buarque traduziu do italiano escrito por Sérgio Bardotti para um português socialista. Hoje atacou da imperialista “Let it go”. Mas sua preferência, nos últimos dias, é a música da pulguinha. No domingo, o dia dos dois anos dela e dos dois milhões de brasileiros na rua pedindo fora Dilma e fora PT, Marina, depois de atravessar a festinha afável, simpática, porém mais calma, sossegada, um pouquinho menos falante, pareceu ter se ligado numa tomada de 330 volts (ela é muito nova para dizer que parecia ter cheirado uma carreirinha grande), e, às 9 da noite, cantou “Pulguinha” pulando e se agitando feito uma bola de pingue-pongue.

Hoje quis cantar a “Pulguinha” e pular e dançar – mas fez questão que a Cau e o avô a acompanhassem. Tentei explicar pra ela que eu não conhecia a letra, mas ela não deu mostras de ter compreendido esse argumento menor. E então fui aprendendo na marra, enquanto pulava e me agitava junto com ela: “Estaca distraído quando algo aconteceu, foi uma pulguinha que danada me mordeu. Soldado de polícia, inspetor de quarteirão, pega essa pulguinha, leva ela pra prisão. Oh, como ela pula, oh, como saltita, pulga danada”.

Uma hora lá a Cláudia tentou ir pra cozinha cuidar das coisas de que precisava cuidar. Marina foi atrás, exigindo que ela continuasse a pular.

Quando Marina resolve brincar de alguma coisa, todo mundo, todo mundo, todo mundo tem que brincar junto.

Às vezes penso que estamos criando um monstro.

Quando a mãe dela tinha a idade dela, tinha gente que dizia que eu estava criando um monstro, porque fazia todas as vontades dela. Primeiro que isso era mentira: eu sempre soube dizer não pra mãe da Marina. Segundo que a mãe e o pai de Marina dizem mais não pra ela do que eu dizia pra minha filha. E, at last but not at least, tomara que Marina seja um monstro que nem a mãe dela.

Delícia de Marina. Delícia de mãe de Marina. Delícia de vó de Marina. Minhas meninas.

2015-03 - Marina dia 19 - Foto Carlos 2

 

 

20 de março de 2015

Fotos Carlos Bêla

 

 

4 Comentários para “Curioso, let it go, petit jeté”

  1. DELÍCIA SERVAZ, porque voce nào é sempre assim? Um velho BABÀO mas doce e sensível, incapaz de odiar, disposto a amar! Vamos caminhar vovó.

  2. Parabéns atrasado para Marina poliglota! Adoro os textos sobre ela (acabei de escrever isso em outro comentário, acho que estou ficando velha e repetitiva).
    Lindo final de texto.

  3. Mima mais, vovô. Tá dando certo, não muda a receita! Beijocas na linda bailarina. MH

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