O Estadão da segunda, dia 12 de outubro, publicou no Caderno 2 interessante, fascinante artigo de Vanessa Barbara com o título de “Coxinhas vs. petralhas”.
Ela fala sobre a divisão do país em nós x eles, o clima de Fla-Flu que se estabeleceu, compara o que está acontecendo com um dos Relatos Selvagens do argentino Damián Szifrón, e conclui, de maneira que considero brilhante, assim:
“Vamos todos acabar carbonizados, puxando o cabelo uns dos outros.”
O suco, o sumo, a moral do artigo de Vanessa Barbara – tudo é maravilhoso. É exatamente o que eu penso, sobre o que já escrevi diversas vezes, sobre o que muita gente já escreveu muito melhor do que eu: um país dividido dessa maneira está se condenando ao horror.
Um país que se divide entre nós x eles está se condenando ao negror dos tempos.
Chamou minha atenção, no entanto, no artigo tão sensível de Vanessa Barbara, o fato de que ela só usa os coxinhas como exemplos do mal em si. Nenhum exemplo que deixe mal um sequer petralha da face deste pobre país.
Fala de um sujeito enfurecido com a própria mãe da autora, que leva comida para rejeitados pela sorte, pobres, moradores de rua. O enfurecido idiota berra, fascistamente, coxinhamente, para a mãe da articulista: “Leva pra casa!”
Um coxinha filho da puta. Um fascista!
Fala que um cidadão pacato pode atropelar ciclistas “só por estar na ciclovia que ele desaprova”.
Quem desaprova ciclovia, a principal obra do petista Fernando Haddad na maior cidade do país, é coxinha, e filho da puta, e assassino potencial. Só porque desaprova a ciclovia. Vanessa Barbara não se alonga no assunto, mas é claro que esse coxinha filho da puta assassino potencial dirige um BMW, e por isso é que é contra as ciclovias. Claro que ele não é contra as ciclovias porque elas não são planejadas, são mal executadas e custam várias vezes mais do que o senso comum admitiria que custassem. Ele é contra as ciclovias porque é coxinha, filho da puta, fascista.
Em seguida, ela fala de cidadão pacato que “invade velórios só para ofender, deseja que a presidente morra de câncer e faz votos de que a família da cronista seja esquartejada”.
Claro: coxinhas filhos da puta.
Até ao relatar o segmento de Relatos Selvagens dos dois motoristas, o super rico e o pobre, Vanessa Barbara toma partido do pobre (a classe que os petralhas defendem com unhas e dentes, é claro) contra o rico. No filme, os dois são apresentados como igualmente violentos, nojentos, agressivos. .
Mas no relato suave, nada selvagem, nada parti pris, nada ideologizado de Vanessa Barbara o rico (o coxinha, portanto) é o filho da puta, e o pobre (Deus salve os petralhas!) é o humilhado, ofendido, agredido, coitadinho.
Não há uma palavra sequer sobre quem criou o clima de Fla x Flu, de nós x eles, de coxinhas x petralhas.
Nenhuma palavra sobre as décadas de discursos de Lula dividindo os brasileiros entre nós x eles.
Na História sempre mentirosa e mentida até virar verdade contada pelos petralhas, quem inventou o nós x eles no Brasil foi o Fernando Henrique Cardoso.
Afe!
13/102015
Bom o texto da Vanessa indicado. O texto que introduz vem carregado mágoas e levam às reflexões de quem somos nós e quem são eles?
Os dois motoristas de ‘Relatos selvagens’ desembocam em duelo de final pouco feliz.
Lembrei-me de piada do mineirinho, irônico e sagaz que caminhava pela estrada montado sobre seu cavalo e ocupando o espaço que por crença e suposição era reservado para a BMW do motorista montado sobre 200 cavalos. A volúpia, a prepotência e o desnecessário uso de velocidade, fizeram o potente veiculo apos uma curva do caminho, mergulhar de frente nas águas de calmo riacho. Sem pressa, o pacato cidadão ainda montado em seu lento cavalo, se aproximou do homem, do riacho, do carro e ironicamente indagou – uai, ta dando de beber pra tropa?
As duas histórias trazem a marca da ‘luta de classes’ uma traz final trágico é infeliz outra mostra final de esperança e de possibilidade feliz. A estrada é o caminho, o cavalo e carro são os meios, o cavalo a tradição, o carro o progresso, na velocidade os perigos de se enganar, nos cavalos a reflexão da desigualdade, o rio é pau é pedra é o fim do caminho ao qual se chega ironicamente com um ou duzentos cavalos.
Refletir e descobrir de que lado está, sinceramente, sem hipocrisia, sem demagogia, saber que existem desigualdades e saber quem é fla e quem é flu, mas convictos que podemos trilhar os mesmos caminhos, mas sem pressa de chegar, existem espaços para cavalos, carros, bicicletas e andarilhos. Caminhar lada a lado permite a presença e possibilidade de dialogo, portanto devemos reduzir a velocidade, sob pena de ter de submetermo-nos a ironia do mineirinho.
Nosso medo é o retrocesso, o autoritarismo daqueles que se intitulam donos da verdade e condutores dos destinos.
‘Tudo isso é arqui-sabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulo-petismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos.’
Fernando Henrique Cardoso