A freira de Marlon Brando

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Mar­lon Brando amou sem­pre mais do que uma mulher ao mesmo tempo. E res­so­nava. Não sei se a irmã Raphael, linda frei­ri­nha cató­lica de um hos­pi­tal de Los Ange­les, algum dia ouviu Mar­lon Brando res­so­nar. E já estou a adiantar-me, quase a estra­gar a sur­presa aos meus paci­en­tes leitores.

Era o doce tempo dos 27 anos do Brando de A Stre­et­car Named Desire, ainda ele tra­zia cola­dos à pele uns resquí­cios de ado­les­cên­cia e uma tes­tos­te­rona de cora­ções ao alto. Fartava-se de ser com­pe­ti­tivo com os outros homens, sobre­tudo com os mais velhos. Quando se picava com um, reta­li­ava dormindo-lhe com a mulher. Brando não era, nunca foi, nada reli­gi­oso, mas dor­miu com mais do que um rosá­rio de mulhe­res casa­das. Cansou-se, julgo, no dia em que, tendo-se ati­rado de uma varanda, quando um intem­pes­tivo marido che­gou mais cedo a casa, foi bater com os mal-tratados ossos a uma cama de hospital.

Esten­dido no assép­tico leito, as frac­tu­ras a sarar, aparece-lhe a irmã Raphael, com altas maçãs do rosto que lhe devem ter feito lem­brar outra irmã­zi­nha, Jean Sim­mons, que, reli­gi­osa e angé­lica, con­tra­ce­nara com ele em Guys and Dolls, o único filme em que Brando can­tava e dançava.

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Na labi­rín­tica cabeça de Brando nas­ceu, então, um des­lum­brado feti­che: dor­mir com essa freira, despir-lhe, ou pelo menos levantar-lhe o gra­ci­oso hábito. Oh, e se a irmã Raphael lhe sor­ria. Den­tro do cor­pi­nho em que se abria um sor­riso daque­les – e isto já é Brando a pen­sar – devia, de cer­teza, haver alguma coisa, colhe­ri­nha de geleia, fatia de che­e­se­cake, para se mor­der com gosto. Brando abriu um luxu­oso e vari­ado catá­logo sedu­tor: disse gra­ças que tal­vez não se digam a uma freira, des­ta­pou uma perna ferida, terá posto nas boche­chas os kle­e­ne­xes que um dia usa­ria em The God­father. Pois sim, louva-te, cesto! A irmã Raphael con­ti­nuou a sorrir-lhe o mesmo sor­riso, indi­fe­rente às téc­ni­cas Actors’ Stu­dio do aluno de Stella Adler, indi­fe­rente ao tor­tu­rado rea­lismo do actor de On the Waterfront.

Ou seja, na cama de um hos­pi­tal de Los Ange­les, estava dei­tado um pedaço de homem que as mulhe­res diziam (e um bió­grafo des­co­man­dado sugere que tam­bém mui­tos homens) ser o mais ape­te­cido pecado mor­tal da Amé­rica, e a lumi­nosa freira cató­lica se sor­ria era para o exan­gue e cru­ci­fi­cado Deus a quem jurara fide­li­dade. É pos­sí­vel que Brando tenha res­so­nado, mas dessa vez res­so­nou sozinho.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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