Uma historinha da revista Afinal – e o cigarro

O que vai abaixo é mezzo uma Historinha de Redação, mezzo um viajandão sobre cigarro.

Nos gloriosos tempos da revista Afinal

Vixe: ninguém sabe o que é a revista Afinal, e então seria necessário apresentá-la para o eventual leitor. Bem rapidinho: Afinal foi uma revista semanal de informação que circulou (pouco) entre 1984 e 1988, com a pretensão de concorrer com Veja e IstoÉ, tentando ser menos sisuda, mais alegre que o modelo de revista semanal de informação estabelecido e ditado pela Time.

O dono era um cubano exilado meio doido (a rigor, bastante doido), que tinha uma agência de publicidade e achava que seu dinheiro era suficiente para bancar a revista por alguns meses e nesse período ela iria estourar e ser um sucesso fenomenal, um case mundial, universal de êxito editorial.

O cubano doido soube escolher o diretor de redação: chamou Fernando Lima Mitre, então diretor do Jornal da Tarde, o grande Jornal da Tarde, criativo, dinâmico, ousado, à frente de seu tempo. Mitre carregou para a aventura um bando de gente de talento. (Como ninguém é perfeito, e faz todas as escolhas certas, me levou também.)

O primeiro ano foi glorioso para nossas contas bancárias – os salários eram ótimos – mas não muito bom para nossos egos: a revista simplesmente não acontecia. Não pegava. Vendia pouco – e portanto tinha pouco anúncio. Lá pelo meio do segundo ano a Afinal entrou em crise.

Mas estou me alongando.

É fundamental dizer, no entanto, que a Afinal era uma redação absolutamente democrática. Desde o início, todo mundo tinha o direito, e até o dever, de palpitar.

Quanto mais pobre a revista ficava, quanto mais os editores e repórteres cascavam fora em busca de porto mais seguro, ou seja, pagamento em dia, mais ampla ainda se tornava a democracia.

A redação, a arte, a fotografia, o comercial, a direção, tudo ocupava um pequeno prédio na Maria Antônia, bem perto da Consolação, no centro de São Paulo.

Bem do lado ficava um restaurante de comida baiana, que chamávamos simplesmente de O Baiano. Ao final de cada dia de trabalho, descíamos todos para O Baiano. O Baiano era uma espécie de sucursal da redação no térreo. Chegou ao ponto de o baiano dono do lugar – sujeito que industrializava o mau humor – às vezes atender ao telefone dizendo: “Revista Afinal, boa noite!”

***

Baita nariz de cera.

A historinha vem agora.

Aconteceu de uma noite Sandro Vaia, então diretor da redação, após a saída do Mitre para o porto seguro da TV Bandeirantes, não beber. Era o único que não bebia álcool na mesa comprida de montes de gente da redação, da fotografia, da arte. Tinha pedido um suco de alguma coisa. Era a primeira vez que ia ao bar e não bebia – estava para fazer exame médico, ou tomando algum remédio, não me lembro.

O fato é que aquilo era algo absolutamente inédito.

Aí então a Fernandinha Domingues, na época uma foquinha de tudo, saiu-se com a pérola:

– Ih, Seu Sandro, mas o senhor sabe dirigir sem beber?

***

A frase da Fernandinha, absolutamente genial, é uma das melhores histórias que guardo dos bons, felizes tempos da revista Afinal.

Me lembrei dela agora por causa do cigarro.

Fumante adora falar sobre cigarro. Ex-fumante adora falar sobre cigarro. Fumante candidato a ex-fumante só fala de cigarro. O tempo todo. É insuportável, é um saco absoluto.

Dois dias atrás, botei no Facebook um post que tentava ser brincalhão sobre a determinação médica para eu parar de fumar. A reação foi absurda, superlativa, histórica. Foi o meu post mais comentado e curtido – e olha que eu dia sim dia não boto posts da minha neta linda, que são bastante comentados e curtidos. Até porque ela é linda demais.

Cigarro é um dos temas que mais fascinam as pessoas – sejam elas os jurássicos, trogloditas, raça em extinção de fumantes, sejam elas os felizes, bem sucedidos, corajosos vencedores do vício.

Todos têm a sua história, e todos gostam muito de contá-la, assim como eu estou aqui falando de cigarro, absolutamente louco de vontade de fumar não um cigarro, mas um pacote inteiro, enquanto tento, desesperadamente, não acender um.

***

Nas últimas não sei quantas horas (não, não vou entrar no esquema AA de 6 meses, dois dias, 6 horas e 25 segundos), nas últimas horas que foram poucas mas passaram devagar demais, fui levado a enfrentar duríssimos testes que a Fernandinha Domingues nem poderia imaginar. Saberia o Seu Sérgio escrever um lead sem um cigarro aceso ao lado? Saberia o Seu Sérgio ler na noite da sexta a coluna da Mary do domingo seguinte sem um cigarro na boca? Saberia o Seu Sérgio ver um filme sem fumar quatro ou cinco cigarros?

A única coisa que eu sabia fazer sem fumar era ver minha neta. Por respeito a ela, e aos pais dela, jamais fumei na casa deles pós-Marina.

***

Fico aqui pensando: o problema não é que o cigarro mata. O problema é que ele mata com crueldade. Devagar.

O pior da vida é a morte com crueldade.

27 de junho de 2014

6 Comentários para “Uma historinha da revista Afinal – e o cigarro”

  1. Caro, comece por “A consciência de Zeno”, do nosso Ítalo Svevo.
    Só fumo aos sábados. Logo, morro mais devagar, nos finais de semana.
    É um bom começo.
    E é bem mais gostoso.
    Suerte.
    Amplexos.

    J.

  2. Servaz, a Fernandinha Dominguez nunca soube que eu era dono do único carro movido a álcool naquela época.Ele fazia o trajeto São Paulo-Jundiaí-São Paulo dirigido por um GPS invisível e quase infalível, que só engripou uma vez, quando o inesquecível Castor parou de cantar a adormeceu a 2 km do nosso destino.O silêncio que baixou no meu velho fusca,quando faltavam 15 para as 7 da manhã,embalou o nosso sono,até encontrarmos o parachoque de um caminhào.

  3. Ahaha que memoria a sua Servaz. Nao me lembrava mais dessa minha observacao, mas dei muita risada lendo seu texto. Mas me lembro que eu era sempre muito bocuda rs. Fase Magda. Falava sem pensar…um beijo a voces dois, que sempre foram meus dois herois e a quem eu devo muito do que aprendi sobre jornalismo. E ve se para de fumar Servaz…sua netinha vai querer ouvir aquela sua cerebre frase: a ignorancia e uma doenca que o tempo cura…mas ela ainda vai levar uns aninhos pra entender! Grande beijo.

  4. Legal, Sérgio novamente. Com pauta de primeira, o fumo. Eu fui aconselhado a parar de fumar pelo meu amigo e médico Titon. O problema é que eu nunca fumei um cigarro na vida toda. Casado toda a vida com uma inveterada fumante, contraí todas as crueldades inerentes ao fumo, inclusive o ódio dos não fumantes e conselhos do meu mádico que ironicamente também fuma.
    O fumo faz parte do corpo e caráter do viciado,pobre Marina que terá que conviver com um avô cinzeiro!

  5. GPS, no Fusca do Sandro, queria dizer Guia Para Sandro. Ou, quando o Castor dormiu, Guia Pára Sandro. (Horrível, o Miltinho vai estrilar.)
    Servaz, gostaria de escrever um comentário, mas como todo mundo adora falar de cigarro, me abstenho. No entanto, espero que você aguente firme e se livre dessa praga maléfica que é o tabaco.

  6. Valdir, o Sandro tinha uma Garantia Para Sonhos que terminou num para choque.

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