À minha direita tinha uma moça nascida cinco anos depois do fim dos Beatles. Quando Paul lançou Band on the Run, com sua segunda banda, em 1973, a mãe da moça e eu nos preparávamos para nos casarmos. À minha esquerda estava um casal que eu nunca tinha visto na vida, e com certeza jamais vou voltar a ver – um casal simpaticíssimo, aí na faixa dos 30 anos de idade.
Digamos que os dois tenham 32 anos. Teriam nascido, portanto, em 1982, o ano em que Paul lançou Tug of War, aquela maravilha, o disco em que ele condena a agressividade da Grã-Bretanha de Margareth Thatcher na Guerra das Malvinas e faz uma emocionante homenagem a John Lennon, morto dois anos antes.
Ao longo de duas horas e meia, os jovens que me cercavam na penúltima fileira do Allianz Parque cantaram junto com Sir James Paul McCartney todas as músicas que ele cantou, sei lá quantas – desde as primeiras, do iniciozinho dos anos 60, décadas antes de eles nascerem.
O quarto show de Paul McCartney que tive a bênção de assistir me emocionou de monte, é claro. Mas, em especial, me impressionou com isso: como tanta gente cantava palavra por palavra com ele.
Tinha gente de todas as idades, dos 70 e muitos até garotinhos e garotinhas de menos de 10.
E a platéia inteira cantava junto com ele.
É lindo, é lindo de doer – e os problemas mis que existem, desde a dificuldade para entrar no estádio, até o som, que foi um som de merda, o pior som de todos os shows que já vi na minha longa vida, ficam pequenos diante da grandeza de Paul McCartney.
Sem contar com o fato de que a mãe de Marina estava especialmente feliz. Cantou junto, bateu palmas, pulou, dançou o tempo todo ao meu lado.
Quando Paul fez seus primeiros shows no Brasil, no Maracanã, em abril de 1990, levei minha filha,então uma garotinha de 14 anos, e foi uma maravilha. Ficou na nossa memória para sempre como uma coisa especialíssima, aquela viagem ao Rio de Janeiro para ver Paul no então maior estádio do mundo junto com mais 130 mil pessoas extasiadas.
Quando Paul voltou ao Brasil, e fez um show no Pacaembu, por algum motivo minha filha não foi; fui com Mary, com a mãe da minha filha e o marido dela.
Na terceira vez que Paul veio a São Paulo, fomos num grupo grande para o Morumbi. A infra era muito ruim, só conseguimos chegar dentro do estádio na hora em que o show estava começando, e acabamos nos separando: minha filha ficou com o Carlos no gramado, eu e Mary fomos lá pra trás.
Hoje, na fila, minha filha me disse que a rigor seria o segundo show de Paul comigo, já que no do Morumbi chegamos juntos, saímos juntos, mas não ficamos juntos durante o show em si.
Então o show de Paul agora foi maravilhoso, com uma energia sensacional, com grafismos lindos no telão, com um artista maior nos dando uma alegria, uma energia fabulosa.
Diante de um show de Paul McCartney, o fato de o som estar uma droga, estar porco, não chega a ser um grande problema.
***
Essa coisa de Paul encantar gente de todas as idades é realmente muito impressionante, e então volto a ela. O casalzinho de garotos de 30 e pouquinhos ou talvez até 20 e muitos ao meu lado esquerdo me deixou fascinado: os dois sabiam as letras todas, cantavam junto todas as canções, muitas delas, talvez a maior parte, compostas e gravadas bem antes de eles nascerem. E eles são só um exemplo disso, porque em torno de mim eu ouvia todo mundo cantando junto, no mínimo nos refrões.
Paul está com 72 anos – mas a vitalidade dele é de um garotão de 25 no auge da forma. Passou duas horas e cinco minutos no palco direto e reto, antes dos dois bis que duraram mais meia hora. Nessas duas horas e cinco minutos, não parou um minuto sequer. Não reparei nem mesmo se ele bebeu um copo d’água. Trocou de guitarra para outra guitarra para violão acústico, para outro violão acústico, para guitarra de volta – e, de vez em quando, sentou-se diante de um grand piano e depois de outro menor, todo colorido. Segundo Mary, nas músicas em que se acompanhava ao piano o bicho descansava um pouco.
Entre uma música e outra, falava, brincava, fazia palhaçadas. Falou mais palavras em português do que o vocabulário de muito garoto de 15 anos.
Fiquei pensando: Paul McCartney e sua música parecem desmentir Cazuza, a lógica, a natureza, a verdade dos fatos. Com eles, o tempo pára.
De que outro modo entender que mais de 40 mil pessoas reunidas ali, num país periférico, de Terceiro Mundo, pobre América Latina, cantem em inglês canções escritas há 40 anos, algumas há mais de meio século?
Pensei nisso, por exemplo, já bem no fim do espetáculo, quando ele atacou de “I saw her standing there”, a primeira faixa de Please Please Me, lançado na Inglaterra em março de 1963, há, portanto, 51 anos, e olhei para os lados e vi um bando de gente cantando junto com ele.
Paul McCartney faz chover em São Paulo, depois de meses e meses e meses da pior estiagem dos últimos mais de 80 anos. Começou a chover antes das 19h; fomos à pé para o estádio, Mary, Fernanda, Márcio e eu (temos a sorte de morar em Perdizes…) embaixo de chuva, ficamos na fila embaixo de chuva. Choveu durante todo o show – e em alguns momentos choveu forte. E choveu na hora em que saímos, depois de meia-noite e meia, e continuou chovendo até chegarmos em casa depois de uma passagem por um bar.
Paul McCartney é o homem que faz chover, que faz o tempo parar. O cara é foda.
Leia também: Infra para ver Sir Paul: 0.
26 de novembro de 2014
Outros textos sobre Paul McCartney neste site:
Quando Paul McCartney fez 40 anos.
Notas sobre Paul, John, Michelle ma belle, o tempo que passa.
Não há fenômeno no mundo como Paul McCartney.
A foto é de Fernando Donasci/O Globo.
Sir Paul merece melhor ambiente para seus shows. A platéia merece melhor Paul. Maracanã, Pacaembu, Morumbi, Allianz Park, transformados em “Music Arenas Halls” só poderia resultar em porcaria.
Sir Paul, Sir Sérgio e Ladys Mary and Fernanda merecem um recital no “Teatro Credicard Hall” ou “Citibank Hall”.
Aqui em Brasília, Paul cantou para 46 mil pessoas, no Estádio Mané Garrincha. Antes, foi andar de bicicleta no parque da cidade, para delícia dos fotógrafos. Meus hóspedes alagoanos e minha mulher voltaram do show de madrugada, em estado de êxtase, mais apaixonados do que nunca pelo velho Beatle. Esses dois casais de Maceió já tinham vindo a Brasília anteriormente para ver o Elton John e agora vieram especialmente para ver o Paul MacCartey. Por culpa deles, minha mulher anda dizendo que eu sou um panaca e está me cobrando uma explicação plausível para não ter ido, já que moramos bem mais perto do Mané Garrincha do que os alagoanos. Mas é que estava chovendo, tinha fila …
Me ajude aí Miltinho.
Paul é grande mas não merece o enfrentamento de fila, chuva, ingresso caro de tietagem. Melhor escutar um CD, os espetáculos em estádios não são para os panacas.Certamente Brasília e lugar para shows bem melhor que o Garrinchão.
Que texto lindo (nenhuma novidade, o auotoe é um craque!). E é isso mesmo: eu já era uma moça quando os “Biltons”, como dizia meu neto pequeno, surgiram no Cavern Club. Fui ver emocionada os primeiros filmes, no Cine Paulista (era esse?) da Rua Augusta, comprava religiosamente todos os LPs e compactos – tenho tudo -e sou apaixonada por eles até hoje. Vi meus filhos crescerem e tb se apaixonarem, e depois os netos, que ‘cantam junto’. Beatles Forever! E Sérgio Vaz escreveu lindamente sobre isso.
Sérgio, sou um dos alagoanos sobre quem Luiz Carlos comentou aqui. Li seus textos acerca desse fenômeno Paul. Quando você falou do LP Tug of War eu percebi que, que desde o dia do show de Brasília, não paro de cantarolar Ballroom Dancing, daquele fantástico álbum. Ele não a incluiu no show -nada que mereça qualquer reclamação diante das 42 canções que ele deve ter tido a maior dor de cabeça para escolher dentro de sua obra para incluir no show. Lá em Brasília ele também fez chover, em ambos os sentidos.