Você pode acreditar em Gilberto Carvalho e achar que Joaquim Levy jogou fora todas as suas convicções e resolveu aderir ao “programa histórico do PT”, mesmo que isso seja como acreditar em mula sem cabeça ou em discos voadores pilotados por ETs.
Ou você pode acreditar que Dilma Roussef foi convencida por alguém (quem será?) a aderir à realpolitik e curvar-se finalmente à racionalidade econômica, e que isso significa, de certa maneira, entregar os anéis de suas convicções para não perder os dedos com os quais se agarra ao poder.
Há uma terceira possibilidade: você pode não acreditar em nada disso e convencer-se, de uma vez por todas, que o único projeto realmente consistente do grupo que está no poder é exatamente o de manter-se onde está, custe o que custar.
Tanto isso é verdade é que “o programa histórico do PT” foi jogado a escanteio pelo próprio Lula e trocado pela “carta ao povo brasileiro” para que ele pudesse ganhar a eleição depois de três derrotas seguidas. E as promessas da “carta” foram cumpridas à risca por Antônio Palocci e Henrique Meirelles, o mercado ficou satisfeito, e a excitação da militância foi mantida acesa com a retórica do confronto do “nós contra eles”, o bem contra o mal.
Volta então a política de uma no cravo (do mercado) e uma na ferradura (da militância), que caracterizou os dois governos Lula?
Os resultados do governo Dilma foram tão desastrosos em termos de crescimento, de gestão, de reformas estruturais, de corrupção, que ela só conseguiu reeleger-se graças aos truques usados para manter grande parte do eleitorado naquilo que o brilhante historiador inglês Tony Judt chamaria de “nuvens líricas de ignorância intencional”.
Nuvens, como se sabe, mudam de forma. Quando elas se dissipam, sobra a realidade para administrar. E João Santana sabe criar nuvens líricas de ignorância de onde podem chover votos, mas depois que recebe seu cheque, vai cuidar da vida e deixa a realidade por conta da doutora gerente.
Ao mesmo tempo em que ela tenta escapar do crime de responsabilidade mandando ao Congresso um projeto para derreter as metas fiscais, chama para seu ministério Joaquim Levy, um economista formado em Chicago, conhecido como “mãos de tesoura”, para fazer o que seus desenvolvimentistas nunca conseguiram: colocar a casa em ordem.
Recebeu por isso um manifesto cheio de impropérios de seus próprios economistas keynesianos de quermesse e de seus intermediários diretos com Deus, teólogos destronados, defensores da troca do jugo opressor do capitalismo pelo sopro libertador dos irmãos Castro.
O mercado – esse ente tão desprezado na retórica e tão cortejado na ação – espera para ver que espécie de coelho sairá da cartola da presidente reeleita
Quando as vacilações da presidente terminarem, quando Levy tomar posse, quando ele anunciar o ajuste fiscal que pretende fazer, saberemos se no segundo governo Dilma a economia vai ser levada a sério e se ao PT sobrará o papel de tocar o bumbo, ou se a missão de engatar o Pais na marcha-a-ré será executada solidariamente por Dilma e seu partido.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 28/11/2014.
A oposição tem seus craques. Sandro Vaia é deles, joga com dez, ou melhor joga em todas. Não é um cabeça de bagre. Qual seriam os coelhos da sua cartola? Seriam nuvens líricas de ignorância intencional?
Merecem respeito os ingênuos que expressam seu horror às tenebrosas transações e que acreditam e um govêrno sério que se contraponha aos cínicos que se fazem de ingênuos.