Se os linguistas se dedicassem ao estudo da linguagem dos signos aplicada à política poderíamos descobrir resultados surpreendentes, como a insuspeitada distância que existe entre significado e significante nesse estranho dialeto politiquês
Esse é um universo onde a linguagem não é usada para explicar e clarear, mas para confundir e turvar.
No dialeto politiquês, o que se diz geralmente não guarda relação com o que se faz. A linguagem, nesse caso, tem mais ou menos a função do airbag no carro: está lá para amortecer o choque do corpo contra a carroceria do carro no caso de uma colisão entre dois corpos sólidos.
Ela pode ser usada como uma espécie de amortecedor entre o fato e a versão que se quer vender.
A presidente, em seu peculiar modo de manejar a linguagem, explicou assim qual era a sua posição sobre o denunciado arranjo entre parlamentares e diretores da Petrobrás convocados para depor na CPI que deveria apurar os supostos “malfeitos” que fizeram a empresa descarrilar em negócios nebulosos como a compra da refinaria de Pasadena e a construção da refinaria Abreu e Lima:
“Vou te falar uma coisa. Acho extraordinário. Primeiro porque o Palácio do Planalto não é expert em petróleo e gás. O expert em petróleo e gás é a Petrobras. Eu queria saber se você pode me informar quem elabora perguntas sobre petróleo e gás para a oposição também. Muito obrigada. Não é o Palácio do Planalto nem nenhuma sede de nenhum partido. Quem sabe das perguntas sobre petróleo e gás só tem um lugar. Pergunta só tem um lugar no Brasil. Eu diria vários lugares no Brasil: a Petrobras e todas as empresas de petróleo e gás”,
Nem Saussurre seria capaz de estabelecer relação entre significado e significante nessa frase.
Mas há sempre alguém disposto a defender que a presidenta não deveria perder tempo com essas insignificâncias, ou que repassar antecipadamente perguntas e gabaritos que cairão na prova não passa de “mídia training”.
Se inflação ameaça estourar o teto da meta, se a produção industrial cai a níveis recordes, se as contas públicas fecham o primeiro semestre do ano com os piores resultados em 14 anos, usa-se o dialeto do dr. Tombini para dizer que “não há o menor perigo de estagflação”, e se as contas não vão bem a culpa é do cenário externo, aquele mesmo a quem foi negado o mérito pelos bons resultados do governo anterior.
Se o FMI afirma que o Brasil está entre as economias vulneráveis pelo excesso de gastos nos últimos anos, apela-se ao dialeto do ministro Mantega para dizer que o Fundo “usou a metodologia errada” para fazer seus cálculos sem se dar ao trabalho de explicar qual seria, então, a certa.
Com seus dialetos, o governo pretende agarrar a realidade a unha e substitui-la à força pela sua vontade.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/8/2014.
Ainda bem que existem tradutores. Os tradutores fazem seu trabalho de forma a amortecer o fato e fazer a versão que se quer vender.
O documentário o “Mercado de Notícias” de Jorge Furtado vem a calhar.