O primeiro Código de Postura que vingou em São Paulo

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Chegou à Câmara Municipal de São Paulo, por estes dias, o Plano Diretor que vai ditar rigorosas normas para o crescimento da cidade, a serem dribladas nos próximos 16  anos. No fim dos anos de 1800, quando o primeiro código surgiu, desobedecer era perigoso. Dava até cadeia.  

O primeiro Código de Postura da cidade foi criado em 1873; rejeitado pelos moradores, que o acharam rigoroso demais, acabou extinto. Dois anos depois veio outro, que também não vingou. Foi considerado confuso, e de redação primária, para a São Paulo de 65 mil habitantes que crescia rapidamente, impulsionada pelo café.

Por fim, em 1886, firmou-se o código. Este enfeixava alguns procedimentos anteriores, e criava uma variedade de novos. Regulamentava todas as atividades da cidade, até mesmo os costumes.

Rigor não faltava. As infrações eram punidas com multa, algumas com prisão. Neste caso estava quem promovesse gritaria pelas ruas ou se vestisse “indecentemente”.

(Na foto acima, feita por volta de 1950, a então Rua do Rosário, que depois se chamaria da Imperatriz e, com a República, 15 de Novembro.)

A cidade tomava forma. “Todas as ruas que se abrirem terão a largura de 16 metros. As praças e largos serão quadrados, tanto quanto o terreno permitir.”  “O proprietário que abrir rua torta ou com menor largura ficará sujeito ao endireitamento ou alargamento dessa rua, sem direito a indenização.”

Altura dos edifícios: primeiro pavimento, 5 metros; segundo, 4,88;  terceiro, 4,56. Janelas: 2,20 por 1,10 de largura. “Haverá canos no interior das paredes para receberem dos telhados ou terraços as águas pluviais e as levarem até a calçada para as sarjetas.”

Obra que “ameaçar ruína”, por mal construída ou má combinação dos materiais empregados, constatada por peritos, levava a punição do mestre de obra: multa, indenização e oito dias de prisão.

O código trazia uma novidade: as casas passariam a ser numeradas. Os proprietários pagariam pela colocação das placas.

Cabia a eles, também, calçar a frente de sua casa ou terreno com pedra de cantaria, ou concreto, “na largura que estiver marcada pela Câmara”. Prazo: três meses depois de a Câmara colocar as guias.

Naquela época não havia prefeitura, que só surgiria com a Proclamação da República, em 1889. Os vereadores, e seu presidente, faziam as leis e as executavam.

Frente e oitões (paredes laterais) das casas seriam caiados no segundo trimestre de cada ano. Portas e janelas, pintadas. Terrenos tinham que ter muros rebocados, caiados e cobertos por telhas.

Cuidava-se com rigor do saneamento. “As valas de esgoto das ruas serão conservadas sempre limpas e desobstruídas, de modo a não embaraçarem o curso das águas.” Proibia-se “lançar águas servidas ou matérias imundas”, sob pena de multa e cinco dias prisão.

Semanas atrás, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, jogou restos de fruta na calçada, durante um evento. Se vivesse em 1886, seria enquadrado em artigo específico: “Proibido lançar nas ruas e largos vidros quebrados e quaisquer objetos que possam prejudicar os transeuntes (…) bem como cascas de frutas no passeio (calçada), que possam provocar quedas.”

O zelo pela segurança do pedestre ia além: Proibia-se “colocar sobre a janela vasos com flores, caixões e outros objetos que possam cair à rua e ofender a quem passar”.

Nessa época, cavalos e jumentos puxavam bondes, carros, e carroças. “Proibido ter animais atados a portas e janelas, ou tê-los pelo cabresto impedindo a passagem pelo passeio das ruas.”

Cães na rua só “os de raça e que forem mansos”, com focinheira e coleira. Nesta devia estar o número da licença paga à Câmara. Quanto aos outros… “Os cães não compreendidos no artigo acima serão mortos pelo fiscal ou seu agente com bolas envenenadas.”

Disciplinava-se o trânsito. “Carros e carroça transitam sempre junto ao passeio, de modo a não impedirem o trânsito de outros veículos. É proibido embaraçar a passagem dos bondes.”

Velocidade: “Ninguém poderá correr a cavalo pelas ruas da cidade à exceção dos soldados de cavalaria quando em serviço público e     urgente.”

Silêncio: “Proibidos alaridos, vozerias e gritaria pelas ruas”, sob pena de multa ou 24 horas de prisão. A pena subia a dois dias de prisão para quem proferisse “injúrias ou indecências em lugares públicos”, ou se vestisse “indecentemente”.

Lavar-se de dia no rio e em lugares públicos dava multa e 24 horas de prisão. “A lavagem em rios só será permitida quando a pessoa estiver vestida, de modo que não ofenda a moral pública.”

Na área de saúde pública, havia normas para o mercado público, o abatedouro, e outros. Proibia-se a venda de frutas verdes ou podres. E massas e doces “enfeitados com sustâncias que, a juízo do médico da Câmara, forem consideradas nocivas à saúde”.

Leite de cabra ou vaca só os tirados no mesmo dia, e vendidos em recipientes definidos na lei. Proibia-se “misturá-lo com água ou qualquer goma para dar-lhe maior consistência e iludir os compradores.” Vendedores de água em carroça também tinham rígidas especificações.

O código proibia, no centro da cidade, fábricas de sabão, azeite, óleos, destilação “e outras que exalem vapores que tornem nociva a atmosfera, a pureza das águas potáveis ou incomodem a vizinhança”.

Como se vê, combatia-se a poluição.

Permitia fabricas “com aparelhos, fornos, caldeiras e quaisquer outros que laborem com fogo em lugares espaçosos e fora da continuidade de outros prédios”. Essas fábricas “terão os tubos das chaminés a prumo com altura superior ao mais alto andar das casas próximas”. Já então, as chaminés de São Paulo…zzspantiga1

Esta reportagem foi originalmente publicada no Diário do Comércio, em março de 2014.

Um comentário para “O primeiro Código de Postura que vingou em São Paulo”

  1. Estes Códigos de Posturas muitas vezes são inspirados em experiências de outras cidades. Curitiba tem canaletas de tráfego exclusivo de ônibus, São Paulo certamente deveria incorporar esta ideia sob forma de postura. A proibição de tráfego de automóveis é uma iniciativa que deve ser amplamente discutida. o código de 1873 proibia determinadas fabricas que exalavam vapores e eram nocivas a atmosfera, a água e que incomodassem as pessoas no centro da cidade.
    São Paulo merece novas posturas, quais seriam as novidades?

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