Grace Kelly de volta aos holofotes

zzgrace2Por que o diretor Gregory Ratoff gostava dela? Nas palavras dele: “Ela é perfeita! O que eu amo nesta garota é que ela não é bonita”.

Falava de Grace Kelly. O ano era 1950 e ela fazia um teste para o filme “Taxi”, no papel de uma jovem irlandesa que chega a Nova York para procurar o marido. Ratoff a queria, mas os executivos da Twentieth Century Fox acharam que Grace era muito elegante e sofisticada para a personagem, e a vetaram.

“Eu estive na categoria do ‘muito’ por longo tempo” – contava ela. “Muito alta, pernas muito longas, muito sofisticada”.

Como sabemos, esses “muitos” não atrapalharam sua carreira. A vida de Grace Kelly tem novas revelações na biografia do escritor Donald Spoto, “Hight Society: The Life of Grace Kelly” (Alta Sociedade: A Vida de Grace Kelly), lançada em 2013 nos Estados Unidos e que será publicada agora no Brasil pela editora Leya. Kelly fez uma exigência a Spoto: o livro só deveria sair 25 anos após sua morte (ela morreu em 1982).

Em fevereiro, dia 7, estréia nos EUA o filme “Grace of Monaco”, baseado em livro de mesmo título, com Nicole Kidman no papel principal.

O filme aborda um período – de dezembro de 1961 a novembro de 1962 – quando Grace teve um importante papel em uma negociação entre Charles de Gaulle, presidente da França, e o príncipe Rainier III, de Mônaco, seu marido. De Gaulle insistia em que os impostos cobrados dos franceses em Mônaco fossem enviados a Paris, e ameaçou Rainier, que não concordava. Rainier venceu a disputa.

zzgrace3Grace Kelly nasceu no dia 12 de novembro de 1929 na Filadélfia, Pensilvânia, EUA, filha de John B. Kelly, irlandês, e Margareth  Majer Kelly, alemã. A família era rica.

Grace foi uma garota alegre, sempre sorridente, que fazia amigos com facilidade. Inspirou-se em seus tios, Walter Kelly e, principalmente, Georges Kelly, dois atores ligados ao teatro e ao cinema, e desde menina sonhava ser atriz

Georges era um homossexual com quem a família não convivia muito bem. Mas foi por insistência dele que John Kelly aceitou que Grace fizesse, aos 12 anos, seu primeiro papel no teatro. A peça era “Don´t Feed the Animals” (Não Alimente os Animais), em East Falls.

No final dos anos 40 ela matriculou-se na Academia Americana de Artes Dramáticas, em Nova York. Na época, trabalhou como modelo para se manter – morava em um pensionato de moças.

– Eu me rebelei contra minha família e fui para Nova York para descobrir quem eu era e quem não era – diria ela mais tarde a Donald Spoto.

De 1947 a 1949 foi modelo da agência do modelo e ator John Robert Powers. Começou ganhando US$ 7,50 por hora, fez muito sucesso, foi capa de revistas como Cosmopolitan e seu salário subiu para US$ 400 a semana. Fez também comerciais para a TV e participou de programas ao vivo. Em 1948 fez sua primeira peça na Broadway, “The Father” (O Pai). Foi vista por Edith Van Cleve, agente teatral que se ofereceu para trabalhar com ela. Também em 1948 completou o curso na Academia estrelando a peça “The Philadelphia Story”, de Philip Barry, que mais tarde seria transposta para a tela no filme “High Society”, o último de Grace. Também para a tela grande foram, entre outras, as peças da Broadway “Dial M for Murder” (Disque M para Matar) e “The Country Girl” (aqui, Amar é Sofrer). Com este último recebeu o Oscar de melhor atriz.

O produtor Sol C. Siegel, da Twentieth Century Fox, havia visto “The Father”, e indicou Grace para o diretor Henry Hathaway, que estava formando o cast de “Fourteen Hours” (Catorze Horas). Ele a chamou, fez um teste com ela e a convidou para um pequeno papel no filme. Ela aceitou, recebeu US$ 500 e este foi seu primeiro papel no cinema.

Em junho de 1951 Edith Van Cleve mandou fotos de Grace para a agência MCA, onde foram recebidas pelo agente Jay Kanter. Época em que o produtor Stanley Kramer e o diretor Fred Zinnemann tentavam fechar o cast de “High Noon” (Matar ou Morrer, no Brasil). O personagem principal seria o xerife Will Kane, papel rejeitado por Marlon Brando, Montgomery Clift, Charlton Heston, Kirk Douglas e Gregory Peck. Foi aceito por Gary Cooper. Entre as opções para a heroína, Amy Fowler Kane, recém-casada com o xerife, havia, entre vários nomes, o de Grace Kelly, da qual tinham uma foto. Era novata, não custaria muito, e Kramer a contratou por US$ 750 a semana, em um total de seis semanas. Além de Cooper, o nome dela apareceria ao lado de Katy Jurado, Thomas Mitchell e Lloyd Bridges. A atuação de Gary Cooper deu-lhe o Oscar de melhor ator.

– Eu era muito nova quando fiz High Noon – diria Grace. – E Zinnemann, durante as filmagens, me disse “Grace, eu sinto muito, mas não posso ajudá-la da maneira que deveria”.

Depois de High Noon, em Hollywood, Grace voltou a Nova York e retomou lições com Stanford Meisner, uma lenda como professor de atores.

Foi então que John Ford viu as filmagens de seu teste para “Taxi”. Logo depois Jay Kanter ligaria para Grace convidando-a para um teste com Ford, que preparava um filme para ser rodado na África e teria Clark Gable e Ava Gardner como atores. Ela embarcou rapidamente para Los Angeles.

– Aceitei porque em “Mogambo” trabalharia com John Ford e Clark Gable em filmagens na África. Se fosse no Arizona eu não aceitaria.

zzgrace4As filmagens duraram um ano, entre 1952 e 1953. Grace Kelly e Clark Gable estavam constantemente juntos, jantavam juntos todas as noites e era óbvio que gostavam muito um do outro. Logo surgiram os boatos de que estavam tendo um caso, e uma frase foi atribuída a Grace:

– O que se espera se você está só em uma tenda na África com Clark Gable?

Em seu livro, entretanto, Donald Spoto não endossa essa versão. Ele diz que, aos 50 anos, Gable havia perdido muito pouco de seu charme viril, comportamento protetor e calor paternal. Longe do conforto de casa, Grace desenvolveu uma intensa afeição por ele, mas é impossível dizer inequivocamente que o seu caso se concretizou.

“Mogambo” deu a Grace sua primeira indicação para o Oscar e seu primeiro Globo de Ouro, como atriz coadjuvante. Antes de iniciar as filmagens ela havia assinado um contrato de sete anos com a Metro, mas fez algumas exigências, entre elas continuar morando em Nova York, porque pretendia estar disponível para o teatro. Fez várias peças no teatro e na televisão, até que em junho de 1953 recebeu um telefonema de Jay Kanter.

Alfred Hitchcock também havia visto o teste para “Taxi”, e queria conversar com ela. Grace partiu para Los Angeles no dia 8. Ela contaria como foi o primeiro encontro dos dois:

– Eu estava muito nervosa, mas ele foi muito agradável e me colocou à vontade. Falamos de viagens, culinária, vinhos, música, moda – tudo, parece, menos da personagem Margot Wendice no filme.

Grace KellyNo dia 22 de julho foi anunciado que Grace Kelly seria Margot Wendice no filme “Disque M para Matar”, de Alfred Hitchcock. O diretor era conhecido pelo seu mau humor e suas discussões durante as filmagens. Dizia que atores vêm e vão, e que os diretores é que são importantes. É claro que algo teria que acontecer entre ele e Grace, e foi na sequência em que tentam matá-la. Ela contou a Donald Spoto:

– Ele queria que fizessem um robe de veludo para mim – disse que era para um efeito de luz e sombra no veludo durante o assassinato. Então eu disse a ele que não achava que o robe se encaixava naquela cena, que se Margot se levantasse no meio da noite para atender ao telefone, e estivesse só no apartamento, ela não pegaria um robe como aquele. Ele ficou vermelho, o que sempre acontecia quando estava contrariado, e me perguntou o que eu usaria. Não usaria nada, respondi, eu simplesmente atenderia ao telefone com minha camisola. “Provavelmente você está certa”, ele respondeu. E a cena foi filmada assim.

Houve rumores de que Grace e Ray Milland, seu marido no filme, estavam tendo um caso, mas isso nunca foi comprovado.

As filmagens terminaram no dia 30 de setembro, e, durante toda ela, Hitchcock falava sempre de “Rear Window” (aqui, Janela Indiscreta), seu próximo filme. Em novembro ela recebeu novo telefonema de Jay Kanter: Hitchcock a queria.

Ela faz o papel de Lisa Fremont, uma refinada dama apaixonada por L. B. Jefferies, um fotógrafo free-lancer com uma perna quebrada, em cadeira de rodas, interpretado por James Stewart. Jeff passa os dias com sua máquina fotográfica, com teleobjetiva, focalizando os apartamentos vizinhos. Então desconfia que um crime foi cometido.

Grace recebeu dois prêmios de melhor atriz do ano de 1954 por três filmes: “Disque M para Matar”, “Janela Indiscreta” e “The Country Girl” (Amar é Sofrer), que faria depois de “The Bridges at Toko-Ri” (As Pontes de Toko-Ri). Neste, teve um papel pequeno como Nancy Brubaker, ao lado de William Holden – Harry, seu marido, herói da Guerra da Coréia.

Foi quando teve um romance com William Holden, mas que durou apenas três semanas. No ano anterior, 1953, ela havia conhecido Oleg Cassini, um estilista de muito prestígio, que havia acabado de se divorciar de Gene Tierny. Foi um caso mais longo e Grace gostou muito dele. Bing Crosby pediu-a em casamento durante as filmagens de “Country Girl”, mas, embora a mídia tenha especulado um caso entre os dois, isso não aconteceu. Os jornais e revistas de fofocas listam, entre seus casos, Gary Cooper, Clark Gable, Ray Milland, Bing Crosby e William Holden. Quando Donald Spoto a estava ouvindo para escrever seu livro, Grace disse a ele que estava se apaixonando o tempo todo. Mas, no caso, frisa o escritor, se apaixonar não significava ir para a cama.

zzgrace1Faria então “Amar é Sofrer”, Oscar de melhor atriz, e “Green Fire” (Tentação Verde). Em 1955, “To Catch a Thief” (aqui, Ladrão de Casaca) – mais uma vez com Hitchcock – e em 1956 “The Swan” (O Cisne) e “High Society”. Durante as filmagens deste, conheceu o príncipe Rainier III, de Mônaco.

Ela foi convidada a integrar uma comitiva americana que iria ao festival de Cannes. Em uma seção de fotos foi apresentada ao príncipe. Um ano depois eles anunciaram o casamento e, após o casamento, Grace disse que estava abandonando a carreira artística.

Tiveram três filhos, Caroline, Albert e Stephanie. Como princesa consorte, ela participou de vários eventos culturais e filantrópicos.

No dia 13 de setembro de 1982, dirigindo a caminho de Mônaco,voltando da quinta de Rocagel, propriedade do príncipe, Grace teve um mal súbito e desmaiou por segundos; seu carro se desgovernou e ela caiu em um precipício. Sua morte seria anunciada no dia seguinte, 14. Grace estava com 53 anos. Ela foi sepultada na Catedral de São Nicolau, em Mônaco.

O carro que provocou a morte de Grace Kelly foi compactado, transformado em um cubo, transportado por barco e hoje jaz no fundo das águas azuis do Mediterrâneo.

Filmografia

Cinema

Ano

Título original

Título em português

Personagem

Notas

1951 Fourteen Hours Quatorze Horas Louise Ann Fuller
1952 High Noon Matar ou Morrer Amy Fowler Kane
1953 Mogambo Mogambo Linda Nordley Indicada ao Oscar na categoria Melhor Atriz. Vencedora do Globo de Ouro
1954 Dial M for Murder Disque M para Matar Margot Mary Wendice Indicada ao BAFTA na categoria Melhor Atriz Estrangeira
1954 Rear Window br: Janela Indiscreta Lisa Carol Fremont Vencedora dos prêmios NYFCC e NBR na categoria Melhor Atriz
1954 The Country Girl Amar é sofrer Georgie Elgin Vencedora do Oscar na categoria Melhor Atriz
1954 Green Fire Tentação verde Catherine Knowland
1954 The Bridges at Toko-Ri As Pontes de Toko-Ri Nancy Brubaker
1955 To Catch a Thief Ladrão de Casaca Frances Stevens
1956 The Swan O Cisne Princesa Alexandra
1956 High Society Alta Sociedade Tracy Samantha Lord Grace interpreta a canção “True Love”, indicada ao Oscar na categoria Melhor Canção Original

 

Esta reportagem foi originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em janeiro de 2014. 

 

3 Comentários para “Grace Kelly de volta aos holofotes”

  1. Anélio, gostei especialmente da moça em Janela Indiscreta, e nunca a esqueci depois de Alta Sociedade. Revelações publicadas 25 anos depois… Instigante.

  2. A matéria do Anélio ficaria bem em “50anosdefilmes” aqui é pura nostalgia.

  3. Anélio,
    no início dos anos sessenta, milhões e milhóes de vezes ouvi “True love”, entoada por Grace Kelly e Bing Crosby, no LP “High Society”. O filme é de 56, mas as coisas demoravam a chegar no interiror mineiro.
    Hoje, te lendo, tive a sensação de voltar a ouvir a voz dos dois ecoando por paragens que eu, há tempos, imaginava esquecidas. Culpa do seu texto, que me fez bem. E eu precisava te dizer isso.
    Beijo, saudade
    Vininha.

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