Não, senhores, vocês entenderam tudo errado. Ou fingiram que entenderam tudo errado.
O povo não foi às ruas incendiar ônibus, queimar cabines de pedágio, depredar lojas e nem cantar o Hino Nacional porque queria o voto distrital misto ou porque não pode viver sem o voto em lista ou porque quer cláusulas de barreira para que partidos políticos tenham existência legal.
A conversa da presidente da República, ao propor primeiro uma impossível Constituinte exclusiva e depois um plebiscito para uma reforma política é para boi dormir.
A conversa é uma desconversa para fugir daquilo que realmente interessa.
Todo mundo sabe que uma efetiva reforma política é necessária e saudável para limpar os vícios políticos do país e sabe também que o Congresso nunca fará isso por sua própria iniciativa porque ninguém legisla contra seus próprios interesses, assim como ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo num processo criminal.
A presidente aproveitou o barulho das ruas para fazer um gesto que significava fingir uma tomada de iniciativa e rolou a bola para o Congresso, que está fazendo um pouco de cera antes de mandá-la para escanteio.
O Congresso sai do seu torpor milenar e começa a discutir projetos que estavam embolorando nas gavetas e o Executivo finge que toma as rédeas da iniciativa política reunindo seu gigantesco e inoperante ministério como se cancelar uma folga de fim de semana para discutir o sexo dos anjos tivesse alguma utilidade para desencalhar o carro de bois atolado no brejo da inoperância.
A sensibilidade da classe política é tão extraordinariamente míope que não percebeu ainda que quando a opinião pública apóia plebiscitos e reformas políticas, não está pensando em sutilezas como financiamento público ou privado de campanhas ou em votos de lista.
O povo quer alguma espécie de reforma política que impeça que o presidente da Câmara vá ao jogo de futebol num avião oficial com montes de amigos ou que o presidente do Senado use avião oficial para ir a um casamento.
Há um abismo conceitual intransponível entre o que os políticos pensam e o que está latente no inconsciente coletivo. E há um abismo maior ainda entre o que a presidente tenta dizer que quer e aquilo que o Congresso lhe permitirá fazer. A base aliada é fiel, antes de mais nada, a seus próprios interesses.
A incipiente e jovem democracia brasileira precisa, sim, de mecanismos que a aperfeiçoem.
O problema é que todos, Executivo e Legislativo, estão mais preocupados, neste momento, em mecanismos que afastem as pedras do caminho do único rumo que lhes interessa: o que leva à reeleição.
Hoje, quem dá a bola é o voto.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/7/2013.
Quase impossível discordar de Sandro Vaia. Sua análise seria perfeita se não encerasse uma contradição entre o começo e o fim.
Uma constituinte exclusiva não é de todo impossível e sua possibilidade está no voto. Quem dá bola é o voto, o voto está nas ruas de forma manifesta, tanto como está na constituição o plebiscito e o manifesto, ferramentas de consulta popular,nunca antes na história deste país, sequer utilizadas.
Constituinte exclusiva só é bobagem para aqueles que demagogicamente escreveram no parágrafo único do artigo primeiro:”Todo o poder emana do povo”.
Substituir o poder constituinte pelo poder constituído, pelo voto, ou na marra.
Ou o congresso e o governo cedem os anéis ou perderão os dedos. Pelo menos a presidenta enxergou está óbvia encruzilhada.
Os parlamentares que se opõem à reforma hoje também estarão contra ela no ano que vem e na próxima década, como estiveram nos últimos vinte anos.
A imprensa deu as costas para as ruas e só enxerga o jogo do poder. Mas, quanto mais claras ficam as manobras para esconder a intenção de deixar tudo como está, maior será a revolta das massas frustradas pelas instituições.
O voto prenuncia tempestade.