O pecado é publicar

Controlar a mídia ainda que tardia. Essa parece ser a missão que o ex-secretário de Comunicação de Lula, Franklin Martins, elegeu para si.

Pregador incansável da tese que viu derrotada por mais de uma vez durante o período em que esteve no governo, e que a presidente Dilma Rousseff preferiu esquecer na gaveta, Franklin ultrapassa todos os sinais quando o assunto é ter a mídia nas rédeas.

Nem Dilma ele poupa. Na quarta-feira, ao falar no seminário Perspectivas para o Brasil, no Rio, disse que os políticos nada fazem sobre esse tema porque “têm um medo monumental da imprensa”. E criticou a omissão da presidente por ela não ter empunhado a bandeira da regulamentação.

Não é pouco para quem pretende coordenar a campanha de reeleição de Dilma e que cada vez mais é chamado para palpitar nas crises que, por deficiências gerenciais e um tanto de esquizofrenia política, se abatem sobre o governo.

A influência de Franklin não pode ser desprezada. Ainda que vencido na tentativa do controle social da mídia, conseguiu aprovar os princípios da regulação em diferentes instâncias partidárias e no Congresso Nacional de Comunicação. Quando no governo, abriu as burras para a criação da TV Brasil, que, depois de cinco anos, continua gastando os tubos para alcançar audiência que varia entre zero e 0,6%, no pico.

Agora incita plateias de militantes e torcedores. No Rio, convocou a turma para “tocar fogo na internet” e “fazer barulho” em nome da regulamentação. E não teve qualquer pudor em ludibriar os ouvintes ao dizer algo que só ele viu, ou melhor, finge que viu: “as manifestações de junho mostraram uma insatisfação brutal com o oligopólio da mídia neste país”. Difícil imaginar que se referia à meia dúzia de vândalos que colocou fogo em um carro de reportagem da TV Record.

A imprensa sempre incomodou e continuará a incomodar os poderosos. Existe para isso, diria o genial Millôr Fernandes. Por ela, governos alimentam amor e ódio, rendem loas e críticas ferozes. Tudo bem entendido dentro do tabuleiro democrático. Mas só totalitários querem e defendem de público controlá-la. Desejam, como dizia Stalin, transformá-la na “arma mais poderosa do partido”.

A favor do ex-ministro de Lula há de se dizer que, se ele erra na receita, acerta no diagnóstico. Políticos realmente temem a imprensa. Têm um medo danado de ver reveladas as malversações, falcatruas e roubalheiras que se tornaram tão usuais no cotidiano da política.

Mais de 100 anos depois, para os que insistem em controlar a mídia continua valendo a escrita de Machado de Assis em Quincas Borba: “O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado”.

Este artigo foi originalmene publicado no Blog do Noblat, em 1º/12/2013. 

2 Comentários para “O pecado é publicar”

  1. Caça Rato supera sambista e jornalistas famosos e tira a TV Brasil do traço.

  2. Enfim uma oposição inteligente!

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO – O Estado de S.Paulo

    Finalmente se fez justiça no caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento. Eles estão presos ao lado de outros que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público. Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais – mesmo que controversos – erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição.

    Onde está a revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas o usaram para construir a “nova sociedade”. Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para se perpetuar no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar seus seguidores mais crédulos.

    Basta de tanto engodo. A condenação pelos crimes do mensalão deu-se em plena vigência do Estado de Direito, num momento em que o Executivo é exercido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cujo governo indicou a maioria dos ministros do Supremo.

    Não houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processo legal. Então, por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista. É preciso mentir, autoenganar-se e repetir o mantra. Não por acaso, a direção do PT amplifica a encenação e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff…

    Tem sido sempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até a ideia esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT. Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as múltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O que conta é a manutenção do poder.

    Em toada semelhante, o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade. “Estamos juntos”, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao País, o que dizer?

    Reitero, escrevo tudo isso com melancolia, não só porque não me apraz ver gente na cadeia, embora reconheça a legalidade e a necessidade da decisão, mas principalmente porque tanto as ações que levaram a tão infeliz desfecho como a cortina de mentiras que alimenta a aura de heroicidade fazem parte de amplo processo de alienação que envolve a sociedade brasileira.

    São muitos os responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido a compreensão do alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduzir o bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido a coragem de gritar contra essas práticas. É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencerem à “base aliada” de apoio ao governo.

    Calam-se diante do mensalão e das demais transgressões, como se o “hegemonismo petista” que os mantém fosse compatível com a democracia. Que dizer, então, da parte da elite empresarial que se ceva dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?

    Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu e poucos bradam. Daí a descrença sobre a elite política reinante na opinião pública mais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, o ministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção, teme-se que, ao deixar a presidência do STF, a onda moralizante dê marcha à ré. É evidente, pois, a descrença nas instituições. A tal ponto que se crê mais nas pessoas, sem perceber que por esse caminho voltaremos aos salvadores da Pátria. São sinais alarmantes.

    Os seguidores do lulopetismo, por serem crédulos, talvez sejam menos responsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os medrosos, os oportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que está à vista de todos. Que dizer, então, das práticas políticas? Não dá mais!

    Estamos a ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala e as oposições, mesmo que berrem, não encontram eco. E sejamos francos: estamos berrando pouco.

    É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal.

    A hegemonia de um partido que não consegue deslindar-se de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível.

    Escudado nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil que agrada não só aos consumidores, mas, em volume muito maior, aos audaciosos que montam suas estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de Estado pela militância ávida e por oportunistas que querem beneficiar-se do Estado distorce as práticas republicanas.

    Tudo isso é arquissabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulopetismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos.

    * O SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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