A morte do dr. Ruy Mesquita deixa este país muito mais pobre.
E, diacho, este país anda mais pobre a cada dia.
Jamais quis ser uma pessoa saudosista, nostálgica dos tempos passados. Mas a verdade dos fatos é que este país tem enterrado homens honrados e visto ocupar espaços importantes pigmeus, gnomos.
Pouco tempo atrás, num fim de noite, puto da vida, escrevi aqui um pequeno texto que mostrava esse descambar, este descer montanha abaixo:
1988: Ulysses Guimarães. Mário Covas. André Franco Montoro. Fernando Henrique Cardoso. Fernando Gabeira. José Serra. Geraldo Alckmin. Luís Eduardo Magalhães. Jarbas Passarinho. Sandra Cavalcanti. Cristina Tavares. Euclides Scalco. José Richa. Beth Mendes. Fábio Feldman. Severo Gomes. Fernando Lyra. Florestan Fernandes. Roberto Campos.
2013: Renan Calheiros. Henrique Eduardo Alves. Sandro Mabel. Valdemar Costa Neto. Anthony Garotinho. Cândido Vaccareza. Carlos Zarattini. Zeca Dirceu.
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Com o dr. Ruy, vai-se embora toda uma geração que nos ensinou as coisas.
Uma vez, cheguei a imaginar um projeto de memória, de gravar longos testemunhos dos octogenários ou quase, os homens que compreendiam o Brasil. Teriam que ser ouvidos, entre outros, Olavo Setúbal, o melhor prefeito que São Paulo já teve, e o dr. Ruy. Claro que foi só uma idéia, que jamais se concretizou. (A foto é de Silvio Ribeiro/AE.)
Estive pouquíssimas vezes com o dr. Ruy.
Trabalhei no Jornal da Tarde de 1970 a 1984, na Agência Estado de 1988 a 1992, na Agência Estado de novo e depois em O Estado de S. Paulo de 1995 a 2006. No total, uns 30 anos.
Bebi boas doses de cachaça com os filhos do dr. Ruy, mas com ele não tive convivência. Uma das minhas lembranças mais fortes dele é a do encontro que Fernando Lima Mitre arrumou entre ele, o dono, e todos nós, os editores, subeditores e chefes de reportagem do Jornal da Tarde no pós-greve de 1979.
O Jornal da Tarde, criado em 1966 para e pelo dr. Ruy, era um jornal tão único, tão sui generis, que até na greve foi diferente. Mitre era o redator-chefe (na época, não se usava o termo diretor de redação); para evitar que o jornal se dividisse entre grevistas e fura-greves, Mitre combinou conosco que todos nós ficaríamos fora da redação enquanto o movimento durasse; ele e mais o secretário de redação, os editorialistas e os filhos do dr. Ruy fariam o jornal.
E assim foi feito. Na noite em que a greve foi aprovada em assembléia no Tuca, fomos, como íamos todas as noites, para o Bar do Alemão, na Avenida Antártica. Lá pelas tantas, Ruyzito, o primogênito, entrou no bar carregando uma dezena de exemplares do jornal, que jogou orgulhoso sobre a grande mesa redonda onde estávamos. A manchete dizia: “Jornalistas em greve”.
Um absoluto vexame: de que serve uma greve de jornalistas se o jornal chega às bancas?
Quando a greve terminou, Mitre, eterno apaziguador, promoveu o encontro entre o capital e o trabalho. Fomos todos para a casa do dr. Ruy na Rua Angatuba, e bebemos o uísque que ele mandou nos servir.
Muitos anos mais tarde, lá por 2004, e até 2006, tive conversas telefônicas com o dr. Ruy. Foi a época em que Sandro Vaia, então diretor de redação de O Estado de S. Paulo, me botou como editor de texto do jornal. Os editores executivos fazíamos um rodízio de chefia do plantão de fim de semana. Infalivelmente, o dr. Ruy ligava para o chefe do plantão aos sábados para saber como estava a primeira página do jornal de domingo, qual era a manchete, quais eram as principais matérias da Política, da Economia, da Internacional. Eu, já passado do meio século de vida, mais de 30 anos de jornalismo nas costas, me sentia intimidado a cada vez que ele ligava. Muitas vezes dava bronca, reclamava que tal manchete era assunto que não merecia aquele destaque. Perguntava como estávamos dando determinado assunto, insistia em que aquele era um tema importante que deveria ser bem tratado.
Conversar com o dr. Ruy era a parte mais difícil das tarefas que eu tinha como chefe do plantão.
São muito estranhos os caminhos da vida. Quando comecei no jornalismo, como foca de tudo no jornal do dr. Ruy, aos 20 anos de idade, achava os editoriais do jornal, e de seu irmão mais velho, o Estadão, a coisa mais reacionária que existia.
Há alguns anos acho os editoriais do Estadão – sempre supervisionados, e muitas vezes até reescritos pelo dr. Ruy – a melhor coisa que o jornal tem.
O dr. Ruy não mudou, os editoriais não mudaram. Mudou o mundo, mudei eu. Ainda bem.
Temo muito pelo futuro do jornalão sem ele.
21 e 22 de maio de 2013
Que pena, que grande pena esse projeto não ter se concretizado. Mas se todos vocês que trabalharam com ele se juntarem e escreverem um livro, será uma linda homenagem mas, sobretudo, uma forma de repassar para a geração da Marina o que foi um verdadeiro jornalista, do tipo dos antigos que eram eles os donos e a alma de seus jornais.
Os depoimentos dos octogenários deveriam ser feitos na comissão da verdade. Lamentável a perda do depoimento do Dr.Ruy.
Na lista dos pigmeus de 2013 faltou, talvez, a inclusão de um que, até no nome com que se identifica nos comentários postados, é pequenininho. Não é, M…….? Pensando bem, não faltou.
Funda melancolia
Lembranças dos tempos passados ao lado de Ruy Mesquita
por Mino Carta
“Foi cidadão íntegro e inquieto, de forte temperamento, nele cantava, entre o fígado e a alma, sobretudo a emoção. Foi também entre os representantes de famílias proprietárias aquele mais empenhado e mais dotado, na minha visão, para a prática do jornalismo. Capaz de empolgar–se com a Revolução Cubana nos seus primeiros momentos, foi o único entrevistador brasileiro de Fidel Castro, recém-vitorioso ao descer a Sierra Maestra. Em companhia de Claudio Abramo, cobriu com inteligência e isenção a Conferência Econômica da OEA de 1961, realizada em Punta del Este. Ali brilhou Che Guevara: à testa da delegação cubana, fez um discurso notável enquanto tomava Coca-Cola. E ao Che, assassinado na Bolívia seis anos depois, o Jornal da Tarde dedicou uma edição memorável. Explícita, em Ruy, a inclinação romântica”.