Fernando José Dias da Silva

Fernando José Dias da Silva tem história no jornalismo paulista.

Nando, como o chamávamos, foi repórter de Política no velho e bom Jornal da Tarde, nos anos 1970 e 1980. A Política na redação do JT era enxuta, pequena – e excelente. Bill Duncan, o grande Bill Duncan, foi o editor durante um bom tempo. Ricardo Setti passou por lá, ainda nos anos 1960. Quando Bill era o editor, Sérgio Rondino foi o sub. Uma editoria que tinha esses dois sujeitos era uma grande editoria – mesmo que na sede ela fosse pequena, já que boa parte do noticiário vinha da Sucursal de Brasília.

Ruy Mesquita Filho, o filho do dono, foi o pauteiro durante um bom tempo. Nicodemus Pessoa foi pauteiro depois, se não estou enganado. Melchíades Cunha Júnior foi chefe de reportagem. Fernando Guimarães, o Sombra, Silvinha Torika e Antônio João Amaro, o Avaré, foram copies no final dos anos 1970 e ao longo dos 1980.

Nando era um dos pouquíssimos repórteres, ao lado de Vera Cecília Dantas, mais tarde Vera Gertel, e de Vera Miranda. Nando, Verinha e Verona.

O Jornal da Tarde brilhou demais, desde que foi lançado, em 1966, até pelo menos os anos 1980.

Em 1984, o ano das Diretas-Já, o maior movimento popular que este país já teve, o jornal brilhou especialmente. A cobertura dos grandes comícios reunia repórteres das diversas editorias, e, na edição, juntavam-se alguns dos profissionais mais brilhantes e experientes. (Nunca fui brilhante mas já era um tanto experiente, e tive a honra de ser colocado pelo redator-chefe, Fernando Lima Mitre, nos mesões de edição de todos os grandes comícios das Diretas-Já, ao lado dos melhores – Sandro Vaia, Anélio Barreto, Ari Schneider, entre outros.)

Nando participou de todas as coberturas das Diretas-Já. Ele e as duas Veras eram as repórteres da área, que podiam orientar os repórteres das outras editorias do jornal, mostrar o caminho das pedras.

Mostrar o caminho das pedras. Rita Tavares, uma das repórteres mais brilhantes com quem tive o prazer de trabalhar, escreveria no Facebook: “Nando me ensinou muita coisa quando eu comecei, foquinha, a cobrir Assembléia Legislativa em SP e, depois, Palácio dos Bandeirantes. Era um gentleman nas maneiras, na postura, no trato.”

Depois do Jornal da Tarde, Nando foi para a Jovem Pan. Era o repórter de Política e comentarista de Política da emissora, na época uma das grandes rádios noticiosas de São Paulo, ao lado da Band e da Eldorado.

Na Pan, Nando atravessou décadas, eras. Falou aos ouvintes da Rádio sobre o governo Sarney, a Constituinte, as primeiras eleições diretas para a presidência da República em 1989, o governo Collor, o impeachment, o governo Itamar, o governo Fernando Henrique, a reeleição, o governo Lula.

Mary Zaidan, que também cobriu parte disso tudo, se lembra de Nando em Brasília falando do Congresso para milhares de pessoas país afora.

Comentou comigo, nesta terça-feira, dia 17, o dia em que soubemos da morte de Nando, que ele foi talvez um dos últimos repórteres e comentaristas políticos do rádio brasileiro.

A Pan tem, seguramente, horas e horas de Nando entrevistando todos os líderes políticos brasileiros das últimas três décadas. Desde o tempo em que ainda havia líderes políticos importantes, de estofo – Franco Montoro, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, Lula a grande promessa – e também os do outro lado, Antônio Carlos Magalhães, Ricardo Fiúza, José Lourenço – até estes nossos atuais tempos de Renans, Felicianos, Henriques Alves.

***

Escrevo este pequeno texto na madrugada da terça-feira, o dia em que soube, por um telefonema de Sandro Vaia, da morte do Nando. Há dois dias estou sem internet.

Pelo que Mary viu na internet no trabalho, o site da Pan sequer havia registrado a morte de Nando.

Espero (sem muita confiança, é verdade) que o Estado desta quarta dê uma matéria digna. Não, é claro, porque o Nando era meu amigo; a rigor, nem éramos propriamente amigos. Tínhamos grandes amigos em comum, em especial o Pedro França, e sou desde sempre um admirador da Bia, a mulher dele.

(Uma vez Nando me emprestou uma fita cassete, copiada da Pan, com a versão que Aluizio Falcão fez de “Vai Passar”, com a aprovação e até a voz de Chico Buarque, para a campanha de Fernando Henrique à Prefeitura de São Paulo – a eleição em que o candidato do então MDB perdeu para Jânio Quadros. Me contaram que Nando estava fulo porque eu jamais devolvi a fita. Não consegui devolvê-la. Uma pena.)

Uma imprensa que não registra dignamente a morte de seus profissionais é uma imprensa ruim.

Os jornais, as emissoras de rádio e TV, existem por causa dos profissionais que trabalham nelas. Isso é um truísmo tão absurdo que até me assusto ao escrever a frase.

Uma imprensa que não dá importância aos profissionais que a fazem é uma imprensa que não se leva a sério.

Outro dia mesmo, fiquei emocionado com a forma com que o Chicago Sunday-Times se despediu de Roger Ebert, que durante 46 anos trabalhou no jornal.

Não estou, evidentemente, querendo comparar Fernando José Dias da Silva a Roger Ebert.

Mas insisto: uma imprensa que não se despede com dignidade de um jornalista que tem história é uma imprensa ruim. Suicida.

16-17 de abril de 2013

(Já foram feitas correções no texto, a partir de avisos de amigos sobre algumas informações que não eram exatas. Agradeço a eles.)  

9 Comentários para “Fernando José Dias da Silva”

  1. Servaz, excelente o teu texto sobre o Nando, numa homenagem justa ao amigo e colega que partiu. Apenas um pequeno reparo sobre o “Vai passar”: quem fez a adaptação da letra para a campanha do FHC à Prefeitura de São Paulo, comn a devida autorização e aprovação do texto pelo Chico, foi o Aluízio Falcão.

  2. servaz, preciso dizer q teu texto me emocionou. ficaria perfeito se vc tivesse lembrado da turma toda que fazia política e a cozinha da política naquela época — o pessoal que fechava e aguentava o rojão. entre eles o Fernando Guimarães, o Sombra, que nos deixou tão cedo — como cedo também nos deixou o Avaré, Antonio João Amaro, meus dois queridíssimos e inesquecíveis amigos. era com eles eu dividia o fechamento da política do JT naquela época. (éramos muito discretos. tlz por isso não nos notavam.)

  3. Servaz, caríssimo, também me chamou atenção a ausência de uma nota na Pan sobre a morte do Francisco José. Sou ouvinte contumaz da Pan, sinto a queda de qualidade que a emissora vem passando, mas não entendi o porquê do silêncio. Pode ser que eu tenha perdido e estejamos aqui falando bobagem. Fiquei sabendo da morte dele por uma nota nos enviada ontem pelo querido Mário Marinho que, por sinal, contou uma história bastante divertida sobre o fim de uma noitada em companhia do Nando. Eu não o conheci, nunca falei com ele. Nos últimos tempos, ele vinha cobrindo mais Assembléia Legislativa, sempre com comentários curtos e inteligentes. Mas fiquei interessado em saber mais sobre a biografia dele e quase não encontrei. Dei um Google e caí aqui no blog. Abçs – veludo – 17 abril

  4. os jornais não estão se importando com gente, nem com gente viva.
    Servaz, beleza de homenagem, maravilha de registros, exemplo de amizade. Adorava aquele jeito meio ” arrastado” dele.

  5. O texto é merecido.Justa a homenagem.
    Cada vez desprezo mais o Estadão, vai acabar acabando.”Uma imprensa que não dá importância aos profissionais que a fazem é uma imprensa que não se leva a sério” palavras indignadas mas verdadeiras.

  6. Amigos, agradeço, comovido, pelas mensagens – e pelas correções. Graças a vocês, pude mexer no texto, consertar o que estava errado e acrescentar algumas informações.

  7. Servaz, o Nando merecia mesmo essa tua bela homenagem. Soube da morte dele por e-mails do Melchiades e do Marinho, que só li na manhã do enterro. Muito triste perder mais alguém daquela boa turma.
    Forte abraço (e obrigado pela honrosa citação)
    Serron

  8. Conheci o Fernando José quando trabalhei na Pan. Era um jornalista super antenado, ótimo papo. Seus comentários eram inteligentes, coisa rara nos dias de hoje. Conhecia como poucos a política brasileira. Vai fazer muita falta!

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