Os do Norte e as armas

Como gostam de matar esses americanos do norte. Sua história é rica em violência e conquistas à força de balas. Quando expulsaram os ingleses e resolveram fazer daquele imenso território uma nação, havia um mundo para desbravar. Era natural o uso de armas para defender as propriedades de que tinham se apoderado. Tempos primitivos e perigosos, anteriores à construção da democracia e da liberdade proclamadas pelos pais da pátria.

Mesmo nos primeiros cem anos de edificação dos Estados Unidos da América do Norte era compreensível que todos se armassem. Isso justifica a emenda que garante a todos a posse de armamento. Impossível continua sendo aceitar o extermínio dos índios, os primeiros habitantes. Lembro-me de assistir a filmes de John Ford, como Cheyenne Autumn, Crepúsculo de uma Raça, vigorosa e bela obra-prima generosa com os perdedores.

Quanto aos revólveres e rifles, passei a infância assistindo a seriados e filmes de bangue- bangue, torcendo pelos mocinhos e vaiando os bandidos. Aquelas perseguições a cavalo, quanta emoção por mais que se repetissem semana após semana. E qual menino, nas brincadeiras de ruas, ao pegar o adversário, não gritou com convicção “ camonebói”? E a resposta, nada sabíamos de inglês, era levantar os braços, maneira de se declarar vencido.

Ao longo dos dois últimos séculos, a fome imperialista e colonizadora dos americanos dos norte só aumentou. Tomaram dos mexicanos suas terras mais valiosas: Texas, Califórnia, Novo México, Arizona e por aí foram. Porto Rico eles tomaram dos espanhóis. Na compra e na força foram aumentando suas posses.

Com o ar superior, certamente herdado dos ingleses, chegaram ao ponto máximo de se considerarem donos do mundo. E meteram o nariz em tudo quanto é canto. Algumas vezes para propagandear os valores democráticos. E dezenas de vezes para vender seus produtos, abocanhar tesouros dos povos dominados.

São uma nação onde cabe uma cidade como Nova York, uma polis mundial que acolhe povos de todos os cantos da terra, e estados racistas, machistas e reacionários até a raiz dos cabelos.

Vivem se matando em nome da liberdade de se armar. Os Charlton Hestons não parecem acreditar que a humanidade caminha em busca da civilização e que não estamos mais nos princípios da formação de seu país. O que era compreensível no nascimento da nação é indefensável em nossos dias, século XXI. A emenda que permite essa selvageria tem de ser banida da vida dos norte-americanos.

Afinal, eles matam crianças, não matam?

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2012.

Um comentário para “Os do Norte e as armas”

  1. Brant sempre brilhante, atento ao cotidiano global. Camonebói, rendamos-lhe homenagens.

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