O Brasil sem voz

Existem dois Brasis convivendo: o da fantasia virtual, retratado por uma boa parte da imprensa e pelas chamadas redes sociais, e o real, aquele onde as pessoas vivem de verdade.

No mundo da fantasia, impõe-se aquele que faz mais barulho. Se você perder um dia navegando pelas redes sociais ou fazendo pesquisas temáticas no Google, vai achar que estamos às vésperas da queda da Bastilha ou da tomada do Palácio de Inverno.

Se uma simples manifestação contra o prefeito de São Paulo é convocada por uma lista assinada por 106 entidades (ao que parece, a manifestação não conseguiu reunir nem um representante de cada uma delas), e considerando que cada uma delas deve ter um site, é porque a revolução social está às portas.  Já chegamos ao estágio mais avançado da guerra de posições de Gramsci e a hegemonia ideológica sobre os aparelhos de Estado já foi alcançada.

Agora é só calar os adversários do outro mundo possível e partir para o abraço, jogar a camisa para a torcida e comemorar a vitória.

O diabo é que o Brasil real, aquele que está fora dos holofotes e dos megafones, que não tem tempo de esbravejar, que trabalha e cuida da sobrevivência da família, está ali, quieto, e só se manifesta quando é consultado.

E quando é consultado dá pontapés na lógica politicamente correta e bem pensante, para desespero dos “maîtres-à-penser” que têm nojinho dessa pobre gente que ainda não leu Pierre Bourdieu e sequer sabe que é alienada e instrumento da burguesia.

Pois a hecatombe social da retomada da Cracolândia é aprovada por 82% das pessoas. Esse mesmo povinho desagradável é contra o aborto, a a favor da diminuição da maioridade penal, quer maior rigor contra o crime e um monte de outras barbaridades. E quando é entrevistado pelo Datafolha ,47% deles se dizem de direita.

Mas votam num governo que se diz de esquerda. Vá entender.

Mas eles votam em Lula e Dilma, que são pessoas e não programas partidários, e elegem 88 deputados federais do PT num universo de 5l3, o que dá 17,1% do total. Há um evidente descolamento entre o petismo e o lulismo e seus derivados.

Não é à-toa que Gilberto Carvalho, o coroinha das boas causas, quer criar mídias específicas para a classe C, a tal da classe emergente, para disputar com as igrejas evangélicas o controle de suas mentes. Veja bem: não se trata de persuadir, trata-se de controlar. ”O governo não pode ter ciúme das clientelas que não batem mais às suas portas”, disse o filósofo.

E por clientelas ele quis dizer isso mesmo: clientelas.E quando ele fala governo, pensa partido, porque essas duas entidades, para certo tipo de pensamento, são a mesma coisa.

Na quilométrica defasagem que existe entre o país virtual e o país real há um abismo onde os partidos ditos de oposição se atiram alegremente dia após dias, como naquele penhasco de onde saltam os intrépidos banhistas de Acapulco. Só que os banhistas mergulham, nadam e voltam. A oposição, não, ela se afoga, porque nessa água não sabe como nadar.

À esquerda há os partidos de esquerda, com suas fantasias e seus sonhos hegemônicos; à direita não há nada, sequer um partido decente, e a grande massa da representação politica se concentra no enxame de partidos amorfos e fisiológicos cujo único princípio é o poder pelo poder para poder tirar proveito do poder.

Resultado: mais da metade do Brasil não tem quem fale por ela.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/2/2012.

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