Meu pai e o ministro Peluso

Em seu último voto como ministro do STF, Cezar Peluso exibiu suas qualidades de juiz sereno, sério, claro e justo. Uma aula de dignidade e sabedoria só possível em quem construiu, ao longo da vida, pela experiência e estudo, uma biografia exemplar.

Tenho orgulho em conhecê-lo e desfrutar de sua afabilidade, de sua ciência diante da vida e da humanidade. Ele me lembra muito o meu pai, também juiz durante décadas, com quem aprendi a buscar a sensatez, a moderação, a justiça. Nem sempre consigo, mas tento.

Eu me lembro bem da insatisfação de meu pai diante da aposentadoria imposta pela idade de setenta anos. Em pleno domínio intelectual do trabalho desenvolvido por toda a vida, com muito mais capacidade de exercer o seu ofício do que quando se iniciara na profissão quase sacerdotal de magistrado, via-se ele impelido a se retirar da missão que abraçara com tanta dedicação.

Estava condenado a ficar em casa recebendo o salário, sem exercer nenhuma função. Nem a desculpa da economia o Estado tinha. Ele viveu quase vinte e quatro anos depois desse fato, sempre com saúde física e mental.

Veio-me , na ocasião, o exemplo dos índios, os primeiros brasileiros. Em sua comunidade a voz da razão, a que prevalece sobre todos, é a dos mais velhos. O conselho dos idosos é que dá segurança aos mais jovens, indica-lhes os melhores caminhos. A voz da experiência evita que os erros antigos sejam repetidos. Do oriente nos vem o mesmo tipo de ensinamento.

Aqui é o contrário. Além de não termos uma educação à altura do Brasil que queremos e merecemos ter, descarta-se as pessoas competentes em troca de nada. E no caso do Supremo há sempre o risco de questões políticas e partidárias influenciarem nas novas escolhas, trocando o grande pelo medíocre (espero que não).

Sem o ministro Peluso e, logo, o ministro Ayres Brito, o cidadão brasileiro corre o risco de perder saber e serenidade, indispensáveis no tribunal que zela pelo respeito à Constituição e pela cidadania plena. Não temos, nos outros poderes da República, a aposentadoria compulsória. E isso faz com que ainda convivamos com velhacos coronéis, pais da pobreza, da violência e das iniquidades. Se senador, deputado, governador, ministro e presidente podem permanecer nos cargos com qualquer idade porque o mesmo não se aplica ao Judiciário?

Os quarenta e cinco anos de magistratura do ministro se encerraram com um voto equilibrado, brilhante e de uma clareza que fez com que todos os que o assistiram pela tevê entendessem o significado pleno de sua decisão. Uma lição de justiça, semelhante à que meu pai me passou, Cezar Peluso transmitiu a todos os brasileiros que acreditam no direito e na democracia.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em setembro de 2012.

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