Quase vinte anos depois da CPI de PC Farias, que apeou Fernando Collor de Mello da Presidência, o vilão agora é algoz e seus acusadores mais ferozes, capitaneados pelo ex Lula há duas décadas, aliados. Se depois que chegaram ao poder, perdões e gentilezas tornaram-se freqüentes, na CPI mista de Cachoeira, PT e Collor, de novo com o aval de Lula, confessam a mesma cartilha e inimigos em comum, a começar pela mídia.
Em discurso eloqüente, olhos esbugalhados, que fez lembrar os tempos irados em que, num equívoco letal, convocou os brasileiros a sair às ruas de verde e amarelo, colhendo cidades cobertas de cidadãos vestidos de preto, o senador Collor de Mello expôs todo o seu ódio contra CPIs, transformadas em “tribunais de inquisição”.
E, ainda com mais ênfase, contra a imprensa. Chamou jornalistas de “rabiscadores”, gente que produz “notícias falsas ou distorcidas”.
Um elo a mais a unir Lula e Collor. Um purga sua mágoa pela Presidência perdida, outro, pelo processo do mensalão, maior escândalo da República, com poderes de lhe macular a majestade.
Os métodos de ambos se assemelham: flagrados, fingem que não é com eles, atacam a imprensa e protegem comparsas.
Collor nunca falou nada sobre PC Farias, a Operação Uruguai ou a prova menor, o Fiat Elba, gota d’água da cassação de seus direitos políticos.
Lula falou demais, mas o intuito era o mesmo. Primeiro se disse traído pelos seus. Depois, garantiu que o mensalão não passava de caixa 2, inventando a tese de que um crime se torna menor quando todo mundo o comete. Algo absurdo na boca de qualquer um, quanto mais de alguém que à época era o número um do país.
A teoria da vez é a de que o mensalão é farsa, uma armação da direita com apoio da grande mídia. Nela, Collor é, de novo, aliado de primeira grandeza. A ele cabe bater forte na imprensa, tentar desacreditar o carteiro para não precisar discutir o conteúdo da carta.
Os dois ex-presidentes, que nas primeiras eleições diretas depois da ditadura militar mobilizaram o país por suas diferenças ideológicas, se unem na sordidez.
Collor renunciou antes de sofrer o impeachment e teve seus direitos políticos cassados por oito anos. Atira para todos os lados, tenta vingar-se. Aposta na hipótese pouco provável de passar para a história como vítima de injustiça.
Lula, de olho no perdão prévio, alimenta as esperanças do ex-inimigo.
Cada um modela suas versões de acordo com a conveniência.
A corrupção, a malversação com dinheiro público, os desvios, a evasão de dólares para o exterior, o mensalão. Isso tudo que se dane. São apenas fatos. Coisa de jornalista.
Este artigo foi publicado originalmente no Blog do Noblat, em 29/4/2012. A arte da fotomontagem é de Antonio Lucena.
Nada que uma cachoeira não possa unir. É o que está demonstrado à exaustão.
Poder aliar-se, pode.
Tentar mudar as verdades, não pode.
“Um derréis de mel coado”, vale essa parceria.