Catões e Cachoeiras

Toda vez que arrancam a máscara de um Catão alguns se chocam e outros se alegram.

Foi o que aconteceu com o senador Demóstenes Torres, do DEM-GO, cujas relações íntimas com o contraventor Carlos Cachoeira, reveladas por vazamentos das gravações da Operação Monte Carlo, derrubaram o queixo de muitos dos admiradores que ele amealhou ao longo de sua atuação no Parlamento.

No fla-flu infantilóide em que se transformou o debate político brasileiro, principalmente depois que a tecnologia facilitou o acesso às redes sociais liberando multidões da vigilância do superego, uma torcida uniformizada amarga sua desilusão com a perda de uma de suas referências morais, enquanto a outra comemora o fato de não ter que carregar o monopólio das acusações de maltratar o patrimônio público.

Não há dúvida de que a revelação das ligações de Demóstenes com o contraventor foi um golpe severo na já frágil oposição. Até o vazamento das gravações, seja o vazamento seletivo ou não, o senador goiano era uma das vozes mais lúcidas e mais articuladas da oposição e não há por que cancelar retroativamente o conteúdo formalmente correto de sua atuação.

O que se perdeu não foi o conteúdo de sua atuação, mas a fundamentação moral dela. Ele condenava nos outros aquilo que ele mesmo fazia, e moralmente isso é inaceitável. Politicamente também.

Forçado a sair do DEM antes de ser expulso, Demóstenes deve enfrentar processos políticos e judiciais que determinarão o futuro de sua carreira, se é que ela terá algum futuro.

É possível que o uso de gravações ilegais lhe dê alguma chance de escapar de eventuais ações judiciais. Mas politicamente a situação é mais difícil, ainda que neste país tudo seja possível.

Não é que Fernando Collor, absolvido em todas as ações judiciais, voltou à política como se nada tivesse acontecido, depois de ter sido obrigado a renunciar à Presidência por razões morais?

Mas apesar da alegria infanto-juvenil da blogosfera chapa branca com a queda de Demóstenes Torres e dos indícios de algum tipo de envolvimento do governador tucano Marconi Perillo com o contraventor, a comemoração é um pouco prematura.

Já está bastante claro, e com o correr do tempo ficará mais claro ainda, que as atividades de Cachoeira eram suficientemente ecumênicas e abrangentes para dispensar preferências partidárias.

Além de sua, digamos assim, “celebridade” pública ter começado com a cena filmada da entrega da propina a Waldomiro Diniz, que não tinha nada de oposicionista, a divulgação a conta-gotas das gravações, mostra que ele conseguiu emplacar negócios heterodoxos no Incra, na Infraero, no governo do Distrito Federal, e sabe-se Deus onde mais.

Os governistas que comemoram a desgraça e a queda do senador Demóstenes poderão encontrar nisso o aconchego de um consolo, mas não uma justificativa nem um alívio para as acusações que pesam sobre os autores de mensalão, consultorias, ministério da pesca, quebras ilegais de sigilo, dossiês falsos e tantos outros “malfeitos”, como quer a semântica preferencial da presidente , que inclusive a levaram a demitir sete ministros.

Dizer que “são todos iguais” pode aliviar consciências, mas nem sempre corresponde à realidade dos fatos. A atitude tomada diante das ações criminosas indica a diferença.

Entre condená-las incondicionalmente e justificá-las sistematicamente há um abismo onde pode morar a diferença entre falhas morais e métodos políticos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 6/4/2012.

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