Nunca esperou que, de madura, a fruta lhe caísse no colo. Era já actriz na Suécia quando um produtor lendário, David O. Selznick, a trouxe para Hollywood.
Pegou de estaca. Os seus melancólicos olhos azuis encheram cinemas. E mesmo que o tempo lhe desvaneça os filmes, a imagem romântica dela em Casablanca perdurará enquanto persistir a ideia de cinema. Esse filme que ela e Humphrey Bogart fizeram de costas voltados, beijando-se como quem não se beija, marcou a história do cinema e antecipou – ou será que determinou? – a sua história pessoal. Talvez a biografia de Ingrid seja a prova de que a vida é apenas o inimaginativo artifício que, tímido, imita o big bang da criação artística.
Como em Casablanca, esta história da vida dela começou em Paris. A Primavera de 45 assistira à vitória dos aliados. O ar exsudava pólen: o da desbragada natureza e o da gloriosa liberdade. A altíssima sueca viera animar as tropas e regressava num fim de tarde ao Ritz onde dormia. Viu então o fotógrafo de guerra que escondia a nacionalidade húngara debaixo do americaníssimo nome de Robert Capa. Tinha a elegância e a virilidade dos mal-vestidos. Olharam-se e foi o coup de foudre. A Bergman não hesitou: ela não era só a mulher casada e mãe. Como em Casablanca a Bergman era capaz de ser, se quisesse, a amante. Quis.
Amou e voltou para o marido como Ilse, em Casablanca, voltava para o heróico Lazslo. Mas tal como Ilse, Ingrid Bergman queria amar o amor de Capa. Pediu-lhe que viesse ter com ela à América, pronta a abandonar o médico sueco, pai da sua filha. Incapaz de fazer outra coisa que não fosse imitar a arte, Capa repetiu os passos de Bogart e, play it again, foi ele que não deixou a Bergman divorciar-se. Tal como Bogart, também ele partiu para uma qualquer Brazaville em guerra e continuou a ser o descomprometido fotógrafo que gostava de ser. “Teremos sempre Paris,” ter-lhe-á segredado à despedida.
Hitchcock conhecia a história e, à maneira dele, usou-a na Janela Indiscreta. O medo que Jimmy Stewart tem de que o casamento com Grace Kelly lhe roube a liberdade de correr riscos em campos de batalha é o medo chapado que fez Capa fugir da boca e da sede da lindíssima amante.
A sede da Bergman não se extinguiu. Poucos anos depois, quando o público americano via nela a virgindade da Joana d’Arc que acabara de interpretar, filmou Stromboli com o italiano Rossellini. É o filme de um vulcão. O mesmo vulcão que arrebatou os dois. Eram ambos casados e ela ficou grávida para escândalo do Senado que a proibiu de voltar à América. Pelo amor do seu amor a Rossellini, abandonou o marido e não viu a filha durante dez anos.
Ingrid Bergman não ia só com muita sede ao pote: era dona do seu pomar e colhia a fruta com as próprias mãos.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia
A foto é uma cena de Stromboli.
A tua diva favorita, certo Sérgio? Uma ATRIZ, uma ESTRELA mas acima de tudo uma ATRIZ