Sinal fechado

Hora de escrever a crônica.

Procuro o mundo, encontro tragédia. Mãe sem filho, avô sem neto, marido sem mulher. E um cachorro, no canto do jornal, há dois dias vigiando um monte de terra encharcada. Sepultura de sua dona. Ela lá, na eternidade, sozinha, ele ali, no cemitério. Sozinho.

No dia seguinte, mesmo jornal, nova história. O cachorro – do coveiro – não vigiava sepultura alguma. Apenas sentia-se em casa.

Melhor não escrever sobre saudade, não saudade, eternidade, não eternidade. Não apenas hoje. Dia nenhum.

Melhor não escrever sobre passaportes de filhos e netos de presidentes, ex-presidentes, tudo igual. Assessores, ex-assessores, ministros, ex-ministros, tudo mais que igual.

Melhor não escrever sobre compras de novos aviões, caças, não caças, aeros lula/dilma/, que nomes tenham. Que Deus os tenha.

Melhor não escrever sobre o mundo um pouco mais acima – ou abaixo –, tanto faz, Baby Doc, Venezuela, Evo Morales, Paraguai, tudo sempre monotonamente igual.

Melhor não saber os valores de salários sem os quais políticos não vivem. Deputados, ex, senadores, ex.

Melhor não saber os não valores de não salários de cidadãos comuns, anônimos. Mágicos, vivem. Apenas.

Melhor não pensar em mulheres apedrejadas, adúlteras, não adúlteras. A propósito: o que será uma mulher adúltera?

Ainda que eu possa escrever sobre o que quiser  – cronistas podem – não quero nada. Não quero tudo.

Não quero nem evocar o que sempre me comove. Um livro – Os Meninos da Rua Paulo? –, uma coleção de lápis dos tempos de criança, amigos dos tempos de sempre, filhos além dos tempos, nossos velhos tempos, possíveis novos tempos. Não. Hoje, não.

Hoje, sinal fechado. Não o do Paulinho da Viola. O meu, sem aspas. Nem maiúsculas.

Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma, em janeiro de 2011.

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