Férias de verão

Abro as janelas para o sol entrar. A cidade, depois de um bocado de chuva, amanheceu luminosa. Essa é uma época em que a maioria viaja, pois é tempo de férias escolares, e a gente que permanece em casa fica torcendo para que todos cheguem bem. Que aproveitem as praias, as fazendas, e descansem para o ano que se inicia.

O chato é essa expectativa angustiada, que se sente mas não se fala, essa torcida para que no final do mês todos estejam de volta, sãos e salvos. São tantas estradas perigosas, assassinas, abandonadas pelo poder público, bocas abertas para colher vidas que por elas transitam. Entra ano e sai ano, elas só pioram. E a quantidade de carros aumenta. E os rios saem da caixa carregando em suas águas lixo e incivilidades e destroem as moradas dos que estão às suas margens.

As barreiras de lama descem das montanhas para asfixiar e enterrar os que encontram em sua trajetória, plantando um rastro de sangue e lágrimas pelo caminho. É um chorar sem conta, na periferia das grandes cidades, em Angra, na Ilha Grande, Niterói e nas serras fluminenses. Aí o Brasil se une em solidariedade para minimizar o sofrimento dos atingidos da vez.

É muito bom assistir à generosidade dos brasileiros, mas até quando os eleitos e os nomeados desfilarão sua incompetência e desprezo diante de nossos olhos?

Até quando nosso tempo de férias será assim? Se fico em casa, penso nos que viajaram. Se viajo, as notícias de minha terra me alarmam. A solução não é tocar um tango argentino. É como diz uma representante da ONU, o Brasil não é Bangladesh. Só há, praticamente, um tipo de problema natural em nosso país,  e ele tem data marcada, é previsível. Já pensaram se tivéssemos terremotos, vulcões e furacões?

E não é que devamos comparar o número de nossos mortos com os das enchentes da Austrália e de Portugal. As enchentes, principalmente quando os rios têm grandes quedas, destroem muito e matam (qualquer morte de um ser humano é uma tragédia a ser lamentada). Mas os deslizamentos de terra são muito mais graves. E quando ocorrem em série e simultâneos, como esses da região serrana do Rio de Janeiro, o que se vê é essa catástrofe que nunca imagináramos. Parece coisa de cinema, me disse meu amigo Ronaldo Bastos, cuja Fazenda Soledade foi atingida severamente. Todos nós nos ferimos com esses acontecimentos. Alguns mais profundamente, os que contam seus mortos, os que perderam suas posses, os desabrigados de afeto e casa.

Que a solidariedade que hoje contamina os brasileiros, envolvidos no esforço de diminuir o sofrimento de nossos semelhantes e amigos, não se evapore com o passar do tempo, com o chegar do sol e o enterrar dos mortos. Precisamos aprender a lição e não deixar que o que pode ser evitado volte a nos machucar eternamente.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em janeiro de 2011.

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