O PT e seu ajuste

Em agosto de 2010, em plena campanha eleitoral, Dilma Roussef garantia: “Não vou fazer ajuste fiscal em hipótese alguma. O Brasil não precisa de ajuste fiscal”.

Guido Mantega, em fevereiro de 2011, em pleno rush para cortar gastos no orçamento, diz que isso que o governo está fazendo não é ajuste fiscal, mas apenas “consolidação orçamentária”.

Como vivemos em plena sociedade do espetáculo (não custa lembrar da palavra que a candidata tanto usava nos debates eleitorais- tergiversar), estamos liberados para brincar de dar às coisas o nome não do que significam, mas do que gostaríamos que os outros achassem que significam.

Em outras palavras: se não chamarmos o corte de 50 bilhões de reais do orçamento de “ajuste fiscal”, o ajuste fiscal deixa de existir. Portanto, a candidata de agosto e o ministro de fevereiro estão cheios de razão. Os idiotas somos nós: não há ajuste fiscal, ainda que o que está sendo feito tenha todas as características de um ajuste fiscal e seja de fato um ajuste fiscal, que se destina a produzir os efeitos de um ajuste fiscal: ou seja, gastar menos para evitar que a inflação cresça e e evitar que sobre cada vez menos dinheiro para pagar a dívida pública.

Um petista crítico e anônimo cochichou ao ouvido de uma coluna atenta que “enfiamos o pé na jaca” em 2010, e agora chegou a hora de pagar a conta.

E “enfiamos o pé na jaca” não significa que em 2010 gastamos fortunas no investimento necessário para o desenvolvimento do País, mas que, por exemplo, aumentamos as despesas de custeio e de pessoal de 15,1% para 18,4% do PIB, porque a prioridade das prioridades no ano eleitoral era regar os canteiros de votos.

Um contraponto pouco sutil entre os estilos do que já passou e do que está aí já começa a emergir dos bastidores do PT. Os murmúrios engrossam dia a dia. Nem bem se passaram 40 dias da mudança de governo, e o PT oficial, mais “puro e duro”, já se sentiu na obrigação de emitir uma nota defendendo “o legado de Lula”. Mas defendendo-o de quem? “Desvalorizar as profundas mudanças ocorridas no país nestes últimos anos e desconstruir a liderança política de Lula são essenciais para o plano da direita brasileira de voltar ao poder e interditar nosso projeto estratégico”, diz um dos itens do documento.

Como “a direita brasileira”, se é que existe, continua entrando muda e saindo calada, o torpedo do PT oficial obviamente é dirigido a alvos internos. O ajuste fiscal que Dilma não queria e que Mantega apelida de outra coisa, ganhou um inimigo público interno influente e poderoso, como José Dirceu, que não fala por si, mas pelo grupo que representa: “O PT não pode ficar refém da agenda traçada pela oposição e pela mídia”.

Resumo da ópera: quem construiu o buraco da farra fiscal foi o governo Lula; quem está tentando tapar o buraco da farra fiscal (da qual evidentemente participou) é o governo Dilma. Não há nenhuma agenda de direita e nem da mídia aí. Há apenas petistas correndo atrás do estrago que eles mesmo fizeram.

Um ajuste fiscal ou um ajuste de contas?

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 11/2/2011.

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