Engenheiro eletrônico brasileiro, considerado guru do mundo digital, Jean Paul Jacob é citado como um dos 50 Campeões de Inovação pela revista americana Info, e esteve no Brasil para dar uma palestra – entre as dezenas que dá no grande mundo da tecnologia do mundo inteiro – no I Congresso Internacional do Livro Digital, promovido pela Câmara Brasileira do Livro em agosto de 2010. Ele profetizou, há cerca de cinco anos, o fim do livro impresso no mundo.
Bonachão e sorridente embora hoje portador de um mal que lhe agiganta as pernas, forçando-o a utilizar um andador, é formado no ITA, de São José dos Campos, SP, mas fez tantas pós-graduações, mestrados e doutorados (entre os quais dois na Universidade de Berkerley, na Califórnia, onde leciona) e especializações que, se eu fosse enumerá-las, tornaria este artigo tão chato que todos parariam de ler agora mesmo.
A exemplo do que já havia feito na década de 1980 quando decretou o fim do disco de vinil (o velho LP) diante do aparecimento de CDs, Jean Paul Jacob vem avisando aos livreiros do mundo que o livro vai mudar de formato e que todos precisam se atualizar. É pesquisador emérito da IBM.
Despojado e comunicativo, ele foi, enquanto esteve no Brasil o sonho de consumo de dezenas de repórteres dos jornais e revistas semanais. Esquivou-se educadamente, pois gosta de estar sozinho e descansar, quase meditar, antes de suas palestras.
Pois não é que eu, depois de 30 anos de jornalismo, tive a sorte de me encontrar com ele e conversar durante 20 minutos, como se fôssemos velhos amigos, sem representar – ou talvez por isso mesmo – nenhum jornal?
Como trabalhava na Câmara Brasileira do Livro, estava nos bastidores da palestra cerca de duas horas antes que ela começasse. Andando por ali, vi, caminhando em minha direção, um senhor com uma enorme barba e ainda belo, apesar de entrado em anos. Era JPJ que, atrás do palco do Auditório Elis Regina, meio que para o perdido, buscava um copo de água e um café “bem quente, sem açúcar”. Ele fez o pedido com um simpático sorriso nos lábios. Corri a me apresentar – sou Laïs de Castro, da Câmara Brasileira do Livro – e ele respondeu imediatamente:
– Sou Jean…
Eu cortei:
– Eu já o conheço. Posso ajudá-lo?
– Eu quero um café.
– Pois não, imediatamente. O senhor entra nesta sala, senta-se e eu vou providenciar.
Ele entrou na sala, onde me apresentaram melhor, e avisou que preferia tomar seu café no palco, pois queria revisar a luz do local da palestra e ainda descansar um pouco lá. Encomendei o café e fui andando, devagar, no ritmo dele e ao seu lado:
– O que o senhor sente ao falar no Brasil, em seu idioma, para uma platéia de editores e donos de livrarias?
– É uma experiência única falar no meu idioma, só que vou falar o que as pessoas não querem ouvir.
– Por que não querem ouvir?
– Porque a maioria delas ainda mantém essa relação amorosa com o texto impresso…. e isto não vai durar muito.
Ele estava avisando, ali, que o livro impresso vai morrer.
– O que o senhor diria, então do livro digital?
– Os adultos – com exceção dos pioneiros – só vão se adaptar definitivamente à leitura em tablets na próxima geração. Mas, no caso das crianças, o que vai acontecer é exatamente o contrário.
Eu não entendi, mas continuei em silêncio, ouvindo.
Ele falava pausadamente:
– Nas próximas gerações é a tecnologia que vai se adaptar ao indivíduo e não o indivíduo à tecnologia, como estamos sendo obrigados a fazer. Veja só, eu digo para o meu livro impresso: “aumente o tamanho destes caracteres” e ele fica parado. Eu digo a ele, “passe agora um vídeo da paisagem que foi descrita” e ele continua parado. No caso do livro digital (e inteligente), ele me obedeceria imediatamente. Assim, o que você acha que as novas gerações vão preferir?
– O livro impresso vai acabar?
– Esse objeto vai ser substituído por outro, como aconteceu com o vinil. Pode ser até que, com o formato, também mude o nome desse novo objeto onde vamos ler.
Enquanto conversava comigo, de maneira absolutamente natural, Jean Paul Jacob marcava a intensidade de luz do palco, o local de onde iria falar na palestra dali a pouco mais de uma hora.
Levantava a mão esquerda e dizia ao iluminador: “vê como está a luz aqui. E vê na minha cara. O que eu mais fico furioso é quando a luz bate nos meus olhos e eu não consigo ver a platéia, fica tudo um brilho horrível…” Jean Paul falava tudo isto, mesmo com seu andador e suas dores, parecendo um homem alegre, corajoso, mais vivo do que tudo. Parecia manter o tempo todo seu astral lá em cima.
Chegou, enfim o café.
– Isso não é café, é amostra… (era uma xicarazinha de café nos moldes brasileiros). Pode me trazer outra daqui a pouco? – disse ao garçom, com muita simpatia e simplicidade. Olha, quantas gotas desse troço (falando do adoçante) eu ponho? E como é mesmo seu nome?
– Meu nome é só Laïs.
– E você, “só Lais” – falou rindo -, me disseram que escreveu…
– Um livro de contos, em véspera de dois. Quer ler o primeiro?
– Quero, me dá o seu papel que eu vou escrever meu endereço.
Pegou o papel e escreveu.
Muito bem humorado e irreverente apesar das dificuldades físicas, chamou um rapaz que parecia ser seu acompanhante permanente e pediu:
– Sinval, levanta minha perna e põe naquela cadeira, porque ela está doendo. E você, Laïs, me manda seu livro.
– Mas você vai ler?
– Não. Mas quero ter, com seu autógrafo e tudo.
– Bem eu sou uma sortuda. Estou aqui com o senhor, neste bate-papo informal, e um tanto de repórteres querendo entrevistá-lo…
– Sorte minha de encontrar você lá na frente, eu sou um velho que já vai morrer…
Repliquei:
– Não é mais velho do que eu (o rosto dele parece bem jovem).
– Olha, eu tenho 72 anos, claro que você não tem isso…
– Não, ainda não. Mesmo assim para mim é a glória conversar com alguém tão ilustre, assim, só os dois, nos bastidores da palestra.
– “Só Laïs”, você me manteve acordado, eu estava quase dormindo… eu agradeço.
– Tá tirando uma… me chamando de “Só Laïs”
Ele riu de novo:
– Eu sou o Jean Paul, não sou só não…
– Claro, você é fantástico.
– Deixa disso, eu sou só um homem chegando lá… não enxergo bem, tudo dói… (mas ele falava isto com um sorriso, parecia rir de si mesmo).
– Bem, vou deixá-lo descansar antes da palestra. Muito obrigada pelo excesso de simpatia! Vou lhe mandar mais um café.
– Eu é que agradeço. Foi gostoso conversar antes da palestra, eu me distraí, obrigado.
Saí dali pensando que havia conversado, sozinha ali, com um mago, com o homem que é um respeitado consultor da IBM há mais de 30 anos. Um homem simples. Como todos os gênios do mundo. Se o cara não for simples, desconfie: é porque ele não é tão bom assim!
***
Como estou me especializando em bastidores, não vou deixar escapar a maravilha de ter estado 20 minutos, absolutamente sozinha com Jean Paul Jacob.
Março de 2011