Liz

Liz Taylor entrou na minha vida com o nome de Leslie. Era uma moça rica do Norte chique, da Nova Inglaterra; um fazendeiro grandão do Texas foi visitar o pai dela, para comprar cavalos. Leslie encantou-se com o cara. O cara, e eu, e mais milhões de pessoas do mundo inteiro nos apaixonamos perdidamente por ela.

Quando me apaixonei por Liz Taylor, a Leslie de Giant, Assim Caminha a Humanidade, eu não tinha nem 12 anos. Sei lá quantos anos tinha – sei que não tinha nem 12 porque no ano em que fiz 12 comecei a anotar os nomes dos filmes que via, e a primeira vez que Giant aparece no meu caderno é em 17 de setembro dfe 1964, e está lá anotando um R, de repetido, reprise, revisão.

– “Miss Leslie, a senhora é tão bonita que dá vontade de comê-la.”

Me lembro de James Dean-Jett Rink dizendo isso para Liz Taylor. Acho que estava bêbado – bem, Jett Rink estava sempre bêbado – e coberto do petróleo que tinha acabado de jorrar no seu pequeno pedaço de terra. Não tenho certeza se a frase é dita naquela seqüência logo após o petróleo jorrar, nem se a frase era exatamente assim, mas foi assim que ela ficou guardada na cabeça daquele garoto apaixonado desde sempre por Liz Taylor. (Vejo agora a frase exata no iMDB. Minha memória não me traiu, é aquilo mesmo: “You sure do look pretty, Miss Leslie. Pert nigh good enough to eat!”

Milhões de garotos no mundo inteiro devem, seguramente, como eu, ter morrido de inveja de Rock Hudson e de James Dean, porque eles estavam perto de Liz Taylor em Giant.

Ver Liz Taylor ao vivo, uma sorte na vida

Tive muitas sortes na vida, e uma delas foi ter visto Liz Taylor ao vivo. É verdade que não foi de perto – o lugar que consegui num teatro da Broadway para ver Liz Taylor interpretando a Regina Giddens de Little Foxes, a peça de Lillian Hellmann, em 1981, não era nada bom, era bem distante do palco. Mas foi uma das grandes experiências que tive na vida – uns 20 anos depois de ver Liz como Leslie na tela ver Liz ao vivo como a raposa ambiciosa e sem caráter da peça de Lillian Hellmann

Não sou muito de ficar lendo tudo quanto é fofoca sobre a vida dos artistas, mesmo os que admiro mais. Mas era impossível não ouvir falar do tanto que xingaram Liz Taylor de raposa ambiciosa e sem caráter por ela ter desfeito o casamento – tido como perfeito, maravilhoso – de Debbie Reynolds e Eddie Fischer. Ela era amiga do casal, dizia-se na época, final dos anos 50, e repetia-se muito, naquele começo dos anos 60, em que comecei a anotar os nomes dos filmes que via. Era amiga do casal, visitavam-se – e eis que repente Liz, megera, destruidora de lares felizes, rouba Eddie Fischer da amiga.

Para, pouquíssimo tempo depois, abandonar Eddie Fischer para se casar de novo com outro sujeito! (Essa história está num texto que fiz em 2001 sobre dois filmes estrelados por Liz, De Repente, no Último Verão, e Butterfield 8.)

A megera perfeita, consumada!, dizia-se, enquanto meu caderninho ia ganhando mais e mais nomes de filmes com Liz Taylor. Gata em Teto de Zinco Quente, que vi em 1963, num cinema da praça central de Pouso Alegre. Gente Muito Importante/V.I.P., ela já com Richard Burton, que vi no então novo Cine Palladium, também em 1963. (Em 1964, a festa de formatura da nossa turma do Colégio de Aplicação – e que turma, e que professores! – seria ali no Palladium.) Ivanhoé, o Vingador do Rei – epa!, um capa-e-espada com uma Liz jovem demais, visto em Ponta Grossa, em 1964. Cleópatra, o filme que quase levou a Fox à falência, e que vi no Cine Metrópole, nos primeiros dias de exibição, em 1964 – o mesmo Cine Metrópole em que já havia visto e revisto Giant.

Que megera, que nada. Um bom caráter

Estava na revista Afinal, no período 1984-1988, quando a humanidade conheceu a praga da Aids. A revelação de que Rock Hudson – o galã macho e conquistador de tantos filmes da minha juventude e adolescência, o cara que comia a Leslie de Giant, a Gina Lollobrigida de Quando Setembro Vier/Come September – era homossexual e sofria de Aids, então tida como uma doença de homossexuais, chocou o mundo. E me lembro de ter ficado feliz por saber que Liz foi amiga de Rock Hudson até o fim da vida dele. Dizia-se orgulhosa da amizade com ele. Se não me engano, foi das primeiras grandes estrelas a fazer campanha pelos aidéticos, contra a discriminação aos doentes e aos homossexuais de uma maneira geral.

Liz jamais foi megera. Era um bom caráter.

Teve uma vida pessoal tempestuosa, conturbada – mas o que se pode esperar de um ser dotado de uma beleza tão absolutamente fulgurante que cega? que vira estrela aos dez de idade, que faz papel adulto em filme de seis Oscars, baseado em clássico da literatura (Um Lugar ao Sol, de 1951, do mesmo George Stevens de Giant) aos 19, que vira a primeira atriz a receber salário de US$ 1 milhão antes dos 30?

Há muitas atrizes de vida pessoal tempestuosa, conturbada, e dá para entender. Deve ser muito ser ídolo. Mas houve pouquíssimas estrelas tão brilhantes quanto Liz. É brilho demais para um ser humano conseguir suportar.

James Dean, o Jett Rink que queria comer Leslie-Liz porque ela era bela demais, virou ícone porque morreu cedo demais. Assim como Marilyn. Talvez James Dean e Marilyn sejam os maiores ícones do cinema – em parte porque morreram cedo. Liz não teve essa glória – ou essa paixão. O mundo a viu envelhecer, engordar, enfeiar. Ao receber imensa ovação de seus pares, todos respeitosamente de pé, ao final da cerimônia do Globo de Ouro de 2001, atrapalhou-se um pouco, teve que vir alguém para ajudá-la a ver de onde ela leria o nome dos indicados para o prêmio de melhor filme, categoria drama. Mostrou ao mundo sinais de seu envelhecimento.

Criamos uma sociedade tão cruel que se valorizam mais os mortos jovens que os grandes que sobrevivem mais alguns anos.

Liz já estava velha e gorducha quando deu mais um exemplo de sua grandeza de caráter, ao ficar firme ao lado do amigo Michael Jackson quando a imprensa e o público começaram a jogar pedras sobre ele. Amigo é pra essas coisas – quem fica ao lado do amigo nas horas ruins tem caráter, fibra.

Liz tinha tanto caráter e fibra quanto teve maridos. Muitos maridos, muito caráter, muita fibra.

Liz era como Leslie, sua personagem no belíssimo filme de 1956. Leslie diz a Bick Benedict-Rock Hudson, depois que ele apanha, leva muita porrada de um racista escroto, que nunca, em mais de um quarto de século, tivera tanto orgulho dele quanto ao vê-lo ali no chão, esmurrado, caído no chão, no meio dos restos de comida e pratos quebrados. Porque Bick, que havia no passado defendido coisas erradas, tinha sido, ele mesmo, elitista, racista, agora tinha brigado pela coisa certa.

Salve, grande. imensa Liz!

Galeria de fotos

Um P.S.: É imperdível a galeria de fotos que o site da revista Life publicou.

23 de março de 2011

3 Comentários para “Liz”

  1. Sérgio,
    Acho que muitas mulheres também se apaixonaram por ela. E invejaram. Ela em Gata em Teto de Zinco Quente, com aquela lingerie maravilhosa que virou objeto de desejo. Bem que procurei, mas nunca encontrei. Bem feito pela minha ousadia de querer alguma coisa que pertencia somente a ela. Valeu o texto, valeu a homenagem. O olhar de Liz ficará para sempre.

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