Lixo e flores

O Carnaval vinha chegando, mas os pequenos acontecimentos não paravam de preencher os dias de quem abandonou o ofício de folião. Na manhã de quinta-feira, acordo com o barulho de ferramentas do outro lado da encruzilhada/praça de meu bairro.

Funcionários da Prefeitura arrancam o cimento do passeio em que moradores de nossa cidade despejam lixo como se ali lixeira fosse. E não são só belo-horizontinos a pé, vizinhos, pois é comum ver motoristas vindos de outras bandas, calmamente despejando seus detritos na via pública. E o que fazem os homens de uniforme?, pergunto a um deles, que faz a sesta depois de devorar seu almoço rápido.

Vão gramar o local e plantar, como de fato o fazem, uma palmeira, símbolo escolhido para afastar os vândalos. A chuva dos dias que se seguiram serviu para estabilizar o verde e a planta, que lá estão em desafio aos sujões. Será que vai dar certo? Espero que sim e aplaudo a ação da municipalidade.

Mas o meu caso particular com as autoridades parece estar apenas começando. No dia seguinte, pelo correio, eu recebo uma correspondência da Prefeitura, um boleto bancário que me intima a pagar cento e vinte e um reais e centavos. É a continuação daquele caso que já contei aqui e espero não estar chateando os leitores. Que começo de feriado indigesto eles reservaram para mim.

Diante desse novo “papelixo”, eu me ponho a pensar em cidadania e coisas tais. Curvo-me diante do autoritarismo oficial que diz que eu joguei lixo na rua e por isso me multa? Eu canto aos ventos minha inocência, mas de que serviria eu contestar o fiscal municipal, se seria minha palavra contra a dele e a decisão final lhe pertenceria? Como alguém pode ser julgado culpado sem prova? Os Detrans da vida já resolveram, em parte, esse problema com as fotos que revelam a infração. Quando há.

Para que um Juiz de Direito condene alguém, é necessário que se abra um processo, que a parte acusada se defenda livremente, que se façam provas e, só então, o Magistrado dá sua decisão. Que poder é esse que se quer dar a um fiscal, que onipotência é essa? Eu me sentiria um cidadão frouxo se eu não me rebelasse contra esse fato. Na democracia, os direitos dos cidadãos são garantidos pela Justiça e é a ela que eu vou recorrer.

Mas nem tudo foi lixo nesse feriadão. Na tarde de sexta-feira, abri minha casa para receber Agnes Goslings, jovem estudante de música na universidade de Roterdã. Está aqui para completar sua tese de mestrado sobre músicas de Milton Nascimento e seus parceiros. Bela, canta, toca, faz arranjos e pretende gravar um disco só com músicas do Milton e turma. Antes de entrar e me entrevistar, após os cumprimentos, ela me presenteou com um sortido ramo de flores do campo. Carinho e delicadeza que me comoveram e me alegraram, nesse feriado de carnaval e do Dia das Mulheres.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em 3/2011.

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