Ler é prazer a dois, o leitor e o livro

Das trilhões de coisas que não consigo compreender, uma que me impressiona especialmente é a tietagem pelos escritores.

A rigor, não consigo compreender tietagem alguma. Mas a tietagem pelos escritores é algo que escapa da minha compreensão.

Vamos lá: você pode ser tiete de um acrobata. Quer ver de perto o cara que é capaz de fazer a acrobacia. A rigor, o camarada pode fazer a acrobacia diante de você.

Você pode ser tiete de um(a) cantor(a), de um(a) instrumentista. Aquele artista pode fazer uma apresentação, e então você vai onde ele está. Quem sabe ele exercita a arte dele diante de você?

Então mais ou menos eu entendo quem é fã de um Pelé, ou até do Falcão do futsal ou até mesmo, baixando muito o nível, de uma Susana Werner, que faz um joguinho com a bola.

Entendo perfeitamente quem é fã de uma bailarina. Ou de uma trapezista. Ou de um cantor, ou de um instrumentista, ou de um atleta: pô, eu sigo aqui a Ná Ozzetti, ou a Ute Lemper: de repente, elas podem resolver cantar. O nadador pode de repente nadar – e se o Cielo resolver, diante de mim, nadar 100 metros em alguns poucos segundos?

Agora, ser tiete de um escritor? Qual é o sentido de ser tiete de um escritor?

Minha cabeça imbecil não consegue entender por que alguém vai a Paraty para ver um escritor.

Um escritor, ao contrário de um músico, um artista de circo, um ator, uma bailarina, um pugilista, um futebolista, um acordeonista, não é um ser performático.

Um escritor não escreve quando está diante de uma platéia.

Um escritor só escreve quando está só, terrivelmente só, diante de sua lauda em branco.

***

E tem mais.

A arte tem pouco a ver com quem a cria. O que importa é a arte – não o artista.

Erza Pound sempre foi tido como direitista, e no entanto sua poesia é grande. Rimbaud traficava escravos. D.W.Griffith fez filmes racistas, supremacistas – mas criou as regras básicas da gramática do cinema.

Diante de uma platéia, o artista, o esportista, o performático faz sua especialidade: atua.

Diante de uma plateia, o que faz um escritor? Fala o que ele pensa da vida.

Fico aqui pensando: uma pessoa que viaja até Paraty para ouvir o que um escritor tem a dizer…

Mas péra lá: se o escritor tinha alguma coisa a dizer, ele teria dito no livro dele, certo? E, para ler o livro, não precisa ir até Paraty.

Para ler o livro, é preciso silêncio. Ler, assim como escrever, é coisa que não precisa de platéia. Ao contrário: se existe platéia, não existe o ler, o escrever. Ler, e escrever, são coisas íntimas.

Ir a uma feira de literatura, na minha opinião, é navegar contra o certo. É querer ser visto – como num shopping center. É a anti-literatura, o anti-livro.

Experimentar o prazer da leitura é uma coisa que se faz solitariamente: o livro diante de você, só ele.

Transformar literatura em show é coisa imbecil, coisa de quem não gosta de livro, de ler.

As Flips da vida, na minha opinião, são suruba.

O prazer de ler é algo a dois – e prazer mesmo é algo a dois. Se for três, é suruba. Não é prazer literário. É sacanagem.

 

4 Comentários para “Ler é prazer a dois, o leitor e o livro”

  1. Concordo totalmente. Penso que o livro se comunica com cada um de uma forma diferente, muito pessoal.
    Favoritei o blog e vou passar a acompanhar!
    Abraços,
    Wesley

  2. Sérgio, no Brasil de tão pouca leitura qualquer evento que desperte interesse pelos livros e seus autores é positivo…

  3. Estou com o Eloi Gertel, em um Brasil de poucos leitores, é saudável eventos que divulguem o livro. E se o marketing é do próprio escritor…nada contra. O importante é saber escolher: o que o escritor diz ou o que ele escreve?

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