Há muitos anos viajo levando meu Moleskine, simpática caderneta que a Maria mineira, que foi morar em Portugal, me deu de presente. Desde aquele dia, qualquer que fosse o tamanho da viagem, o livrinho de capa preta me acompanhou.
Nele estão os endereços das pessoas importantes para mim no Rio, em São Paulo, Brasília, Paris ou mesmo em Beagá ( eu tinha que considerar a hipótese de telefonar para meus amigos de minha cidade quando estava fora de casa). Outras anotações tenho ali, como os códigos para ler, na internet, os jornais que assino. O mundo seguia girando e eu, pequeno e frágil habitante, girava com ele.
Não tinha nenhum amor por celular, dispensava seu uso. Até que, numa noite qualquer, na tranqüilidade do bairro do Carlos Prates, um assaltante, armado, roubou o carro de uma das minhas filhas. Sem agredi-la, ele levou o veículo e sua bolsa. Como queria apenas passear e pegar alguns trocados, ele deixou os documentos dela no chão de um posto de gasolina. E o carro, depois de comunicada, a polícia encontrou na saída para Brasília. Ficou faltando o telefone, dado por perdido.
Eu pareço estar enrolando, mas é curiosa a minha entrada nesse terreno da telefonia. Um mês depois eu recebo, em casa, um telefonema de um homem que dizia ter achado o celular da minha filha. O paciente e honesto brasileiro, a maioria de nós, pesquisou os números e, através deles, saiu pesquisando para saber a quem aquele aparelho pertencia. Isso já aconteceu há alguns anos, mas não dá para esquecer as ações dos homens e mulheres de bem.
Cabeleireiro em Contagem, ele parou seu carro na beira da estrada, no caminho da Ceasa, para fazer um xixi. Quando se preparava para o esguicho de alívio, viu algo brilhando no meio do mato. Era o aparelho roubado de minha filha. Na época não entendi como alguém, teclando o aparelho, pudesse investigar e achar o dono.
O certo é que marcamos um encontro para que ele me entregasse o telefone. Escolhi a praça mais concorrida da cidade, a central, porque o medo que os desonestos e bandidos imprimiram em nós nos faz desconfiados e arredios. Nós nos encontramos, ele me passou o telefone e não aceitou nada do que eu tentei lhe oferecer. Ele era apenas um brasileiro trabalhador, que gastou um tempo e um dinheiro para localizar o proprietário de um objeto que encontrara por acaso.
Esse é exemplo do povo que admiro. E é, também, somente o começo da história que me fez sentir, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, como se eu fosse um estrangeiro, incomunicável, em terras cariocas.
(Continua)
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em abril de 2011.
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