Cores, traços e afetos

Há umas duas semanas, inesperadamente, ganhei um presente muito especial. Livro. Com dedicatória e tudo. Mais: dedicatória carinhosa, me chamando de “cumadre” – assim, entre aspas –, mandando abraço. E muita saudade.

Mesmo sabendo que cada página me traria surpresas e reencontros, não tive pressa. Fiquei ali, naquela dedicatória. Olhando. Pensando. Analisando. O talhe da letra, o arranjo da assinatura. Tinta azul. Bem azul.

Cumadre e saudade. Palavras da rotina do autor, quando se dirige aos amigos. 

A tinta azul, bem azul, me diz que faço parte dos amigos. Contrariando meus hábitos, acredito. Sou cumadre, sim. E devo provocar saudade, sim. Essa dedicatória parece ter vindo lá do fundo, penso.

Depois, devagar, com cuidado, olhos e coração atentos e abertos, encontro, página após página, um universo de cores, traços e afetos que registra, com beleza e competência, um pedaço da história do Brasil. Da nossa, particular e coletiva.

Não há como negar: fazemos parte das cores, traços e afetos que, durante as últimas décadas, povoaram capas de LPs e de livros, páginas de jornais e revistas, cartazes de peças teatrais. E cenários.

Neste país tão distraído, ainda que não tenham se dado conta, milhares de pessoas cruzaram, em algum momento, com as cores e os traços de Elifas Andreato, artista plástico que conta suas “histórias através dos desenhos”, em conversas – ou dedicatórias – carregadas de afeto.

Há duas semanas, pensadamente, pausadamente, passo e repasso as páginas de Elifas Andreato (Coleção Portfólio Brasil), livro/álbum/documentário/registro de “minha trajetória, que começa no Paraná e que não sei onde termina”.

Não termina. Continua. Contínua, continuada. Na vida de cada um, por mais anônimos. Nos gestos de cada dia, por mais simples. Nas emoções provocadas pelos CDs – ou LPs – ouvidos em noites vazias, a arte e o afeto das capas aquecendo os olhos, tanto quanto as melodias aquecem a solidão.

Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma.

Um comentário para “Cores, traços e afetos”

  1. Maravilhosa sua crônica! O Elifas Andreatto realmente marece sua atenção e a nossa. Parabéns. Ester Vitale

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