Sempre que aparecer uma oportunidade de impor o dirigismo estatal em qualquer espécie de atividade humana, o governo estará pronto para enfiar a sua colher.
É o nosso destino e o tributo que pagamos por eleger um governo que não encontra razão de existir se não se intrometer na vida das pessoas.
É assim com as cotas raciais, é assim com as palmadas nas bundas das nossas crianças, é assim até com a nossa própria saúde, é assim com os quilombolas, é assim com os territórios indígenas, como não haveria de ser assim, por exemplo, na regulamentação das atividades da TV paga?
O Senado aprovou nesta semana o Projeto de Lei Complementar nº 116, que não se contenta em estabelecer normas de resto bastante necessárias, corretas e convenientes, abrindo o mercado de distribuição de TV paga às empresas de telecomunicações nacionais e estrangeiras, e consegue contrabandear a criação de cotas nacionais de programação, outorgando poderes discriminatórios e punitivos a uma entidade estatal como a Ancine.
Muito bem: o escopo da lei complementar era o de reconhecer a existência da convergência dos meios e tirar do caminho entraves ao desenvolvimento do mercado de TV paga, que no Brasil não atingiu ainda nem uma pequena parcela de seu potencial.
Num país de 190 milhões de habitantes, é ridículo que apenas 11 milhões tenham acesso à opção da TV paga.
A PLC 116 posssibilitará a criação de novas opções de pacotes de programação, acirrará a concorrência, barateará os custos de distribuição, incentivará a criação de mais canais de banda larga para a internet e continuará mantendo a proibição de que operadores de telecomunicações produzam conteúdo.
Até aí, uma lei modernizadora e um avanço.
Mas o governo não poderia deixar de lado a sua obsessão por alguma espécie de controle e de dirigismo, e instituiu a obrigatoriedade de veiculação de programação nacional, criando cotas obrigatórias, e conferindo à Ancine um poder de fiscalização e punição que não está entre as suas competências originais.
Um terço dos canais do pacote de TV paga precisam ser obrigatoriamente nacionais, metade precisa ser obrigatoriamente de produtores independentes e todas as emissoras, indistintamente, serão obrigadas a enxertar em sua programação 3 horas e meia de conteúdo nacional por semana, naquilo que a Ancine definir como “horário nobre”.
Não existirão formas mais inteligentes e menos coercitivas de incentivar a produção nacional de audiovisuais? Certamente existem. Perguntem ao mercado.
Ao dar à Ancine o poder de “regulação e fiscalização” das “atividades de programação e empacotamento” (artigo 9, parágrafo único), a PLC 116 abre portas à possibilidade de controle de conteúdos, de favorecimentos políticos e ideológicos,de criação de privilégios, e de toda sorte de arbitrariedades.
A palavra-chave da filosofia dominante nesse governo é “controle”. Essa é a sua filosofia de vida, e ele não consegue viver sem ela.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 19/8/2011.