a arte é uma forma de fantasia controlada. resolvo, como quero, cada detalhe e vou distribuindo as tarefas de meus personagens, sendo eu mesmo um deles. estou pensando estas coisas. resolvo falar do tempo para anunciar que meu pai não ficará para sempre, partirá; resolvo fazer com que saiam os dois a passeio para preparar o promissor encontro de meu filho com uma fugidia alegria e seu primeiro contacto com a morte. porque preciso dessa morte para a posterior desesperação que será discutir como poderia ser a vida após a morte. a minha possível vida após a minha morte certa.
meu filho e meu pai existem na minha imaginação como símbolos de filhos e pais que existem. filhos e pais são realidade e dela parte toda a fantasia. só pode existir fantasia após a experiência com o real. meu aniversário também é real, a três de julho, não tenho culpa, não cabe culpa. são, todos os dias, dias iguais a dias iguais. toda a arte precisa do real e só nele pode existir mas a arte tem na fantasia a sua matéria-prima.
qual é o real que sustenta a música? escala ascendente lembra escada. fluxos que iriam do terrenal ao celeste? e escalas descendentes lembram a escada descida por Orfeu. e o ritmo? música alegre bate rápido como o coração humano quando alegre e é o mesmo coração que, lento e quase desmaiando, indica o ritmo da melodia que corta a alma em pedacinhos. seriam os acordes simultaneidade de emoções que nos atropelam? às vezes harmoniosas, às vezes dissonantes! seriam os acordes simultaneidade de personalidades que se encontram? às vezes harmoniosas, às vezes dissonantes! e a polifonia? a perturbadora simultaneidade de seqüências diferentes dentro de uma ordem que é cada alma humana pertencendo ao fruir de toda a experiência da humanidade?
estou com frio. é hora de cuidar dos animais.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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