o dia dois de julho é o exato meio do ano, falou meu pai, estando nós dois sentados na grama, atrás da casa, voltados para a cachoeira, enquanto o menino andava ao longe, para lá e para cá, vigiando os passarinhos. o dia dois de julho é o exato meio do ano. de primeiro de janeiro até primeiro de julho, são 182 dias. separe-se então o dois de julho. de três de julho até trinta e um de dezembro temos novamente 182 dias. o dois de julho é o exato meio do ano.
então eu nasci no primeiro dia da segunda metade do ano!
era isto que eu queria dizer. lembra-se de que eu cheguei com o menino na véspera do seu aniversário?
nossa! já faz algum tempo!
meses não chega a ser tempo. tempo é algo como século ou milênio.
ah, pai, o tempo pra você não é o mesmo que pra mim.
claro! no entanto, o tempo é um só; ou não é, nem sei. o tempo poderia ser a única descomunal percepção da nossa existência. sabemos que existimos não porque pensamos mas porque sentimos a atuação do tempo, sentimo-nos dentro dele. animais, plantas e coisas não pensam mas existem. porque sentem a presença e ou o efeito do tempo.
silêncio
você está querendo falar algo que não estou querendo entender… eu disse.
então, vou ser preciso: você sabe que não ficarei aqui muito mais…
séculos ou milênios?, perguntei sorrindo.
meses, semanas, dias. você sabe a que vim. como vai o seu livro?
está uma confusão! preciso de informações simples mas não as estou encontrando.
viu como as enciclopédias não contêm aquilo de que necessitamos?
silêncio.
mas vai ficar até o fim!, não vai?, pai.
não vou abandoná-lo. mas você sabe, faltam dois meses pro natal…
então é preciso que amanhã você e o menino acordem antes de mim e saiam pra passear.
assim será.
o menino veio subindo até nós.
vô, um passarinho todo azul passou por mim e voou naquela direção.
lá é uma mata muito bonita.
vamos passear lá amanhã?
pode ser. você já viu o sol nascer?
acho que nunca.
então, amanhã vamos acordar antes do sol e vamos até a mata pra onde foi teu passarinho.
como vou acordar antes do sol?
deixa isto por minha conta.
o pai vai?, perguntou a mim.
não posso, filho. tenho muitas coisas pra fazer.
criança e velho sempre têm tempo, né?, vovô. estou sentindo um pouco de frio.
vamos entrar. hoje eu acendo o fogão e faço a nossa sopa. meu pai falou, levantando-se, batendo as mãos na roupa cheia de raminhos secos. os cães levantaram-se a um tempo e nos rodearam.
parece que faz cem anos que não como! falou o menino. entraram os dois e os cães. Luluva ficou ao meu lado.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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