meu pai preparou a charrete, atrelou a égua e saiu com o menino. deito-me nas almofadas e semifecho os olhos. as aves silenciaram lá fora. virá chuva? os cães dormem. ouve-se muito fraquinho o barulho das águas lá embaixo.
tudo em ordem por aqui. tenho preguiça de ler. fecho os olhos e penso num sono curto.
um vulto branco se desenha em meu cérebro. estou imaginando um vulto branco, eu penso. se eu abrir os olhos e houver um tipo de fantasma à minha frente, estarei tendo um tipo de alucinação. sei que nada verei mas, para confirmar esta certeza frágil, eu abro os olhos. as aves silenciaram, os cães dormem, nada se move e não consigo ouvir o ruído das águas lá embaixo.
todavia, o vulto branco está diante de mim. finíssimos véus transparentes que, esvoaçando, formam o contorno de uma figura humana; nada se vê de pele ou fisionomia, apenas os volumes como que flutuando no espaço. e sobre a cabeça uma imensa coroa.
a Morte! exatamente como um dia eu a desenhei! e por que está sorrindo? como sei que está sorrindo?
um abalo, em todo meu corpo, me acorda. abro os olhos. um sonho! um sonho?
nenhuma ave canta.
os cães devem dormir.
o eterno ruído das águas lá embaixo prende por um momento minha atenção. e mergulho aos poucos num sono sem imagens.
o que é que ela veio fazer aqui?
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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