Vida em família é uma delícia

Vida em família é uma delícia, desde que você não pretenda ser ouvido. O chefe de família, o guardião… mas não espere penetrar na conversa de sua  mulher, filha, cunhada, tias.

Uma coisa que sempre me intrigou é: por que, quando estão no telefone, nunca passam recado.

Minha mulher, ao telefone com a prima Cecília. Estão se despedindo. Meu celular toca.

– Me chama a Renée, urgente.

– Aqui é o marido dela. O quê…

– Tem uma bomba no carro…

– Bomba?  Olha, ela está no telefone com a Cecília.

– Deus meu! É isso, fala pra Renée dizer pra Cecília não ligar o carro. Puseram uma bomba nele. Se ligar, explode tudo.

Jogo o celular no sofá, sem desligar. Grito, apavorado.

– Renée, diz para a Cecília não ligar o carro. Tem uma bomba.

Ela:

– Então está bem, Cecília. Não esquece de tomar o xarope.  Diz pra sua mãe que mando um beijo. Tchau.

 E desliga.

                             * * *

Estou na cabeceira da mesa de jantar, controlando minha ansiedade. Pedi para Renée convocar esta pequena reunião em família, com um jantar caprichado. Há três meses, tomei a decisão da minha vida. Chega um momento em que a pessoa se conscientiza do que foi a sua história, e de como deverá ser a partir de então. Durante três meses ajustei sensibilidades e emoções. Agora, vou abrir o coração e revelar-me com toda franqueza.

Levanto, para falar, ou fico sentado? Não posso ser solene demais.

Sentado:

– Minha querida família, reuni vocês aqui, hoje, porque tenho a declaração mais importante da minha vida para lhes fazer. Eu…

A voz da tia Alzira, baixinho.

– Esse arroz está sem sal.

Da tia Adélia, baixinho:

– Sem sal coisa nenhuma. Você é que sempre implica com meu arroz.

Sosô, minha filha, não tão baixo.

– É, a Alzirinha tem razão. Adelinha sempre pão-dura no sal.

Renée:

– Você parece seu tio Alfredo, Sosô. Ele sempre exagerou no sal e viu o que aconteceu?

– Ah – pergunta vivamente Lena, minha cunhada. – Como está o Alfredão, saiu do hospital?

É o mote para se contar, mais uma vez, as façanhas do tio Alfredo, que gosta de vinho, usa suspensório e fuma charuto. Sai até a história da noite em que chegou em casa passado… ah,ah,ah, todos começam a rir antes do desfecho. Resolveu tomar banho, encheu a banheira e se enfiou embaixo do chuveiro. Só o Alfredão, mesmo.

Um clima de grande descontração toma conta da mesa.  Cecília ia começar a contar mais uma vez o trote da bomba, quando Renée lembra-se vagamente de algo. Vira-se para mim:

– Meu bem, você não ia contar uma história pra gente?

Agosto de 2010

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