O artigo de Alberto Dines que foi censurado

Alberto Dines – um dos nomes mais importantes da história do jornalismo brasileiro – foi censurado pelo portal Último Segundo, do iG. Há cinco anos Dines escrevia um artigo semanal para o portal; semana passada, para publicação na sexta, dia 27 de fevereiro, ele escreveu sobre a viagem de Lula a Cuba e a morte do preso político Orlando Zapata Tamaya.

“Fui avisado por telefone, horas depois, de que fora suspenso e a minha colaboração interrompida”, contou Dines, em mensagem a amigos. “Em Cuba as coisas são mais transparentes.”

No Observatório da Imprensa, Dines conta todo o episódio.

Há dezenas de colunistas e blogs ligados ao iG, sobre os mais diferentes temas, de cozinha a esportes, literatura, moda, celebridades. Sobre política, com a saída de Alberto Dines, agora só há três blogs ligados ao portal: os de Luis Favre, Luís Nassif e Ricardo Kotscho. Três petralhas.

É um perfeito exemplo de como funcionam as coisas no petismo, na Cuba dos irmãos Castro, na Venezuela de Chávez: opinião, só se for a favor.

Eis o artigo censurado:

 O azar dos sortudos

 Alberto Dines

Tem fama de afortunado, ditoso ou, como diz o povo, empelicado. Mas nem tudo foram flores quando Lula enveredou pela política: perdeu três pleitos presidenciais sucessivos e já começava a ficar com fama de perdedor quando os ventos mudaram e embora não fosse surfista enganchou-se nas ondas certas.

Nestes últimos oito anos, inspirado pelos astros ou pelo bom senso, Lula acionou corretamente todos os botões mesmo quando os companheiros cometiam as barbaridades do mensalão e do dossiê Vedoin. Animado pela infalibilidade cometeu há um ano monumental asneira ao escolher José Sarney para presidir o Senado. Ainda não pagou por ela mas não está longe o dia em que será julgado pela complacência na desmoralização do Legislativo e na proteção a um dos coronéis mais corruptos da história do Nordeste.

A viagem ao México e Caribe prometia ser um cruzeiro de férias: em Cancun, na Cúpula das Américas, deveria envergar a confortável guayabera presenteada pelo anfitrião Filipe Calderon aos participantes homens (excluídas as mulheres) e participar de mais um bloco continental, não-carnavalesco, a “OEA do B”, sem a participação dos EUA e Canadá.

Em Cuba encontraria Fidel Castro, em franca recuperação, e talvez incentivasse as negociações recém iniciadas com os EUA cumprindo o seu papel de contrapeso à insanidade de Chávez. Não foi avisado ou não deu importância à informação de que o dissidente cubano, Orlando Zapata, em greve de fome há 85 dias, fora internado em estado grave uma semana antes num hospital de Havana.

Como a Parca não distingue sortudos dos azarados, o anúncio da morte de Zapata correu o mundo justamente quando o avião da Força Aérea Brasileira aterrava em Havana e Lula, feliz da vida, preparava-se para abraçar os irmãos Castro. Boas estrelas são volúveis, a sorte é movediça, pior ainda: imprevisível.

O presidente Lula atrapalhou-se ao explicar por que não atendera ao pedido dos dissidentes cubanos para interceder em favor de Zapata e cometeu uma barbaridade ao desqualificar o sacrifício do militante oposicionista. Ignorou ostensivamente a heróica jornada do Mahatma Gandhi que dobrou o invencível império britânico graças às greves de fome.

Desprezar a imolação e depreciar o martírio é uma forma de compactuar com aqueles que não permitem outra alternativa senão a imolação e o martírio. Invocando princípios religiosos Lula foi anti-religioso, ao buscar a racionalidade associou-se aos irracionais que relativizam as liberdades para defender o arbítrio. Não contente, em entrevista aos jornalistas cubanos, fez um apelo à ousadia de Obama para acabar com o embargo econômico dos EUA a Cuba.

Este embargo ianque é estúpido, desumano, imoral e inútil, Obama está empenhado em suspendê-lo, mas considerá-lo como único responsável pela ditadura cubana – como fizera na véspera seu homólogo, Raúl Castro – é um raciocínio primário à altura do intelecto de Hugo Chávez.

Atarantada por suas próprias mazelas, a imprensa internacional não deixou sem comentários o simplismo do nosso presidente. O prestigioso diário espanhol El País, o mais importante do mundo ibero-americano, lamentou a oportunidade perdida pelo dirigente brasileiro para forçar o regime cubano a respeitar os direitos humanos.

“O silêncio de Lula diante de uma ditadura como a castrista macula o que ele representa para a América Latina e à medida em que o Brasil se fortalece como potencia emergente, para o resto do mundo.” Não se trata de uma opinião pessoal do correspondente no Brasil, Juan Árias – geralmente cordato – mas da opinião institucional de um grande jornal que recentemente ofereceu a Lula um honroso galardão.

Negociar com todas as partes em conflito é a principal ferramenta da diplomacia, mas a confiança dos interlocutores não pode ser conquistada à custa do sacrifício de valores universais. Remember Munique: as concessões pragmáticas de Chamberlain e Deladier, ao invés de aplacar Hitler, só aumentaram a sua ferocidade.

A sorte é imponderável, inexplicável, mas consta que sortudos têm boa memória.

2/3/2010.

O artigo de Alberto Dines foi publicado também – como foram todos os anteriores – no site Observatório da Imprensa.

Um comentário para “O artigo de Alberto Dines que foi censurado”

  1. Sinto muitíssimo pela censura ao texto de tāo respeitável jornalista, aliás como sentiria com qualquer outro. A censura à imprensa é inadmissível, no entanto tenho a necessidade de dizer que esse fato talvez sirva como lição ao Dines, pois sempre, de uma forma ou de outra, vinha sendo muito condescendente com o presidente Lula e seus asseclas! Nāo tem aquela história do …”mas quando bateram na minha porta, blá, blá, blá…”.

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