No bar do Careca

Meio-dia de sol e céu azul, vou pela sombra no rumo do bar do Careca, onde vou buscar um vidro de pimenta malagueta que ele curtiu e guardou para mim. Chego e me sento num tamborete em frente ao balcão, diante do dono, senhor de simpatia e conhecimentos gastronômicos e etílicos, referência para os que visitam o bairro da Cachoeirinha, meu abrigo de longos anos, lugar em que plantei minha casa e cuidei e cuido de minha família. A Cachoeirinha não é o mundo, mas meu mundo e minha vida têm muito a ver com esse território. Aqui está um dos meus quintais.

Apresentado ao recipiente onde bóiam, na cachaça, os grãos que cheiram forte e prometem ser agradáveis ao paladar, sou praticamente obrigado a pedir uma ampola de cerveja. Calmamente a sorvo, converso e vou percebendo o ambiente. As pessoas vão chegando aos poucos e a maioria se dirige ao proprietário do estabelecimento. Conhece a todos e a todos trata com gentileza e sorrisos. É hora em que a fome começa a chegar e a sede vem na frente.

A Casa de Pasto está em plena atividade.

Da cozinha, limpa e silenciosa, começam a sair pratos variados. O feijão tropeiro, generoso, tem as qualidades da cozinha mineira. Forma, cheiro e conteúdo enfeitiçam o meu olhar, que apenas acompanha o desfilar da comida se dirigindo à mesa do fundo. Tutu à mineira, supimpa. Uns bolinhos, serão bolinhos ou o quê, aquela mistura de queijo canastra ralado, misturado ao ovo, e servido para quem ainda tem mais sede do que fome? O molho à bolonhesa, que envolve o espaguete, está um primor para os olhos e o olfato. Sem falar dos peixes, das moquecas e dos assados. E das carnes de panela que circulam e perfumam o ambiente. As cervejas, sempre na temperatura que a maioria dos brasileiros pede.

Mas minha atenção, já viajando pela segunda garrafa, está concentrada nas conversas dos freqüentadores. Fala-se de futebol e de política. No campo esportivo tudo anda morno, não há motivo para controvérsias no momento. Mas as eleições, que ainda não esquentaram, trazem um certo conflito.

A quase dois meses do dia de ir às urnas, alguns já externam opiniões e contrariedades, divisões. Mas o clima está mais para amenidades. Um, que acaba de sair de um cateterismo e vive pelo glorioso América, faz planos para o primeiro neto, que chega em dezembro. Outro, mais ligeiro, chega com o bebê, neto daquele que comanda o pedaço.

Um casal vem me dizer que o caso das flores que chegaram ao destinatário sem o necessário cartão, que eu contei na última crônica, foi feito para eles.

Ela ainda desconfia, mentira, de quem realmente floreou o leito do marido enfermo. Ele diz que ela sabe que foram seus colegas de serviço que enviaram a gentileza. Ela aparenta concordar, mas mantém a desconfiança, como uma carta na manga a ser usada sempre. O piscar de olhos dela diz tudo.E eu volto para casa, na manhã quente de inverno, com meu vidro de pimentas malaguetas.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas

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